quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

FUNÇÃO DO TEMPO



A planilha eletrônica calculou que vivi mais de 16 mil dias.

Nessas horas de sol, calor, ventanias, chuvas esparsas, tempestades de verão, de falta de umidade, em que a desumanidade do tempo se impõe, meus radicais estão livres e avançam em meu corpo como Xgamers. Level 1, Sr. Tempo. Vamos ser otimistas: o jogo só está começando. 

Ainda assim ele se sobrepõe ao desejo da eterna juventude. À agora descabida rebeldia sem causa. Usa o quadro de vidro ao invés da lousa. Mostra-se no Tablet ao invés do tablóide de jornal. 

As coisas passam. 

Meu filho, hoje do meu tamanho, tem mais de 5 mil dias. Que felicidade! Mas nessa idade de descobertas, de explosões celulares, os conflitos virão, pois assim é a adolescência. Mas em sua essência, ele o primogênito e minha pequena,  são a minha continua ação no mundo, se a ordem natural das coisas não mudar. E não vai mudar.

Só é  certo que o corpo muda. A voz muda. O gosto muda. A roupa, a muda, também muda. 

Veríssimo, o filho, disse: "eu envelheço, mas usarei as calças dobradas no começo". Dobro as mangas da camisa e vou por aí. Sempre uso bermudas.

Em cartaz no cinema um filme sobre o Tempo, "Boyhood". Crescer é difícil ou nós que complicamos?

Li, na selva descrita dos jornais virtuais, direto da tela de meu smartphone, onde vejo que as vidas ainda são reais e o Tempo não mudou de nome; li que uma mãe tenta vencer o Tempo e o traço trágico que o destino lhe reservou: a auto-morte de seu filho. Ela celebra a vida. Vencer de alguma forma este senhor é o que resta. E com ajuda de voluntários, espalha pelo mundo as cinzas dele, aventureiro que por um instante esqueceu de celebrar a vida, para encerrar seu caminho. Lamento.

Volto no Tempo e lembro do pão debaixo do braço. Do Nescau no fim da tarde. De ver "A Linha" com Paula Saldanha na TV Globinho. Lembro de assistir TV de cabeça para baixo com os pés na parede (minha filha faz isso! E olha que ela tem mais de 3 mil dias!). Lembro de ser puxado pela orelha até em casa por ter saído escondido para jogar futebol e botão. Lembro da minha primeira ereção ao ver Sandra Bréa dançando no Fantástico do alto dos meus sete anos. Lembro do dia que marquei cinco gols na pelada. Lembro do primeiro beijo. Lembro de matar aula para namorar. Lembro, lembro, lembro... Não fico remoendo tristezas ou melancolias; só lembro.

Lembro de tudo que foi importante, e é o que me faz quem sou.

Lembro também do corriqueiro, e que também é o que me faz quem sou.

Espero que minha memória não falhe, enquanto eu for necessário. Quando começar a falhar, me leve para um barco e deixe o vento bater no meu rosto.

Para onde vou não sei; mas por enquanto minha planilha está ativa com a primeira célula contendo o dia que nasci. Embaixo, inseri a função AGORA. E do resultado * 2.

Conto os dias do passado para duplicar meu futuro. E assim seja, Sr. Tempo; assim seja...


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