terça-feira, 31 de março de 2015

CENTRAL DO BRASIL



Não, você não precisa ir muito longe. 

Está tudo bem ali. O olhar perdido dos meninos da cola e do arrastão, do crack e do furto do cordão, do celular e das canelas finas, da bola e do crasso português.

Circula ali a senhora de olhar cansado pela fadiga - os olhos são esclarecedores -, da bala "Ráus" de cereja para enganar a fome, da blusa de onça, de espírito forte, do hálito de nicotina, das seis viagens por dia, do sono completado no balanço do trem.

E quem mais vem?

O velho de roupa amassada com o suvaco de ontem, o estudante matutino, a moça da loja de utilidades e a outra da lanchonete que vende sucos. Vem também o professor, o auxiliar de pedreiro, o rapaz do TI, a menina do salão, o soldado de meio expediente, o homem da concessionária de motos, a moça alinhada em viscose e a do shortinho saliente.

Correm como loucos para sentar; achar um espaço minimamente confortável no desconforto.

Camelôs passam gritando nos ouvidos de quem dorme o sono mal dormido da segunda, terça, quarta,... Vem contando os trocados e dividindo espaço com o sujeito que pede com papelzinho na mão; dividem um espaço inexistente nos bancos escorregadios e corredores compridos; dividem o riso e a conversa fiada da noite de ontem - falam alto, parece briga, mas são de paz; dividem a tristeza daquele que não vem mais; dividem as cartas da sueca em pé, na ida ou na volta do expediente.

Multiplicam-se precariamente os sonhos de quem estuda para prova chacoalhando ao som do "fanqui" de celular ou do gospel do vendedor de cd pirata. Multiplicam as reclamações pelo aperto, a carestia, o descaso de uma via que dizem ser "super". Engano de enganadores.

Do lado de fora, o calor, o suor, o vapor e gente. Muita gente. Quando a composição "varia", as avarias os deixam a pé sobre os trilhos, nas estações apinhadas na chuva ou no calor. Nossos ouvidos incomodados, descobrem na entrada que que o chip da Tim da Claro e da Vivo com acesso à Internet são cinco reais.


Do lado de dentro, o ar gelado quando não está quebrado, águas, skóis e guarapluses, chocolate quatro por dois - já foram seis por um, uns caras que vendem tapete, outros que vendem chinelo, o velho da bananada "bananiiiinhaaa", o sujeito educado o da empada de dois reais.

São reais. A mistura de gente, drama, batalhas, sorrisos. O preço dessas vidas são muito reais. O apreço a essas vidas tem que ser muito reais.

Um garoto de dezessete ou dezoito anos pergunta para a mesma senhora de olhar cansado, a propósito de uma pesquisa qualquer: "a senhora é feliz?" "Não tenho tempo para pensar nisso" - responde ela, curtida pelo sol que bate pelo vidro da porta.

sexta-feira, 27 de março de 2015

AS SUAS RAZÕES


Tudo fica mais fácil quando seus desejos são respeitados, quando o que você entende como o que é certo acontece sem contestações, quando há alguém que concorde com tudo o que você pensa. Paraíso. Perfeição. 

Lamento, esse mundo de faz de conta não existe. 

Você precisa lidar com opiniões contrárias, rejeições, frustrações, resultados ruins,... Faz parte da vida. Mas ao invés de lamentar, emitir palavrões, grunidos, bater porta, gritar com quem está do seu lado ou com quem você chama de oponente, você pensou na possibilidade de estar errado? Já pensou que podia ser de outro jeito, e o que o outro disse talvez valha a pena e você sequer quis ouvir? 

Têm horas que percebo um bocado de gente que bate mais ou menos com a minha idade, e alguns até mais velhos que eu, ainda estão na adolescência. Nada contra. Quisera eu ser um teen espinhento e viver tudo de novo. Só que tem uma época que a gente tem que crescer, parar de dar tanta importância às coisas que não são tão importantes assim. 

Se a batata frita está murcha, talvez você não tenha chegado cedo o bastante. Se sua escolha foi errada, melhor não culpar a opção - a escolha foi sua. 

Nos últimos dias, mesmo que "a pulso", precisei ser construtivo, positivo, autoestimulado, mesmo com as águas revoltas em volta. Eu quero estar certo e também não custa parar e ouvir com atenção o que tem para ser ouvido. Em uma canção do velho Russo diz na letra: "não falo como você fala mas vejo bem o que você me diz". E ainda: "todos têm suas próprias razões". Jamais devo esquecer que tenho as minhas. Pensando bem, talvez eu ainda seja um lobisomem juvenil.

domingo, 22 de março de 2015

"IIIINSPIRA !! EIIINCHE O PEITO DE AR"



Quando moleque o controle remoto não existia e eu ficava em pé diante da tv girando o botão dos canais que parecia um pouco com com o controle do gás das bocas do fogão. Ah, molecada... Estes daí jamais entenderão... 

Bom, normalmente nos horários que eu estava em casa a TV estava ligada nos canais onde passavam desenhos. Os Herculóides, Corrida Maluca, Os Muppets, Papa Léguas, A Liga da Justiça (Supergêmeos: Ativar !!!) Speed Racer e um monte de desenhos que vez por outra repetem nos canais a cabo. Era época do Capitão Asa, TV Globinho com a Paula Saldanha, etc.

Se eu acordasse cedo, antes dos desenhos, fazia um tour pelos canais e encontrava documentários de esporte ou sobre a natureza com a narração do Léo Batista ou do Sérgio Chapelin. Era legal; meio ESPN meio Net Geo. A mente nunca ficava vazia. 

Mas o que sempre me deixava bobo era a uma senhora chamada Yara Vaz que fazia um programa de ginástica; acho que na TV Educativa. 

Ela, acompanhada de duas ou três alunas que usavam bastões para fazer exercícios matinais. Eu ficava ali bobão admirando a "senhora elástica" realizando os exercícios com mais desenvoltura que suas alunas aparentemente 40, 50 anos mais novas que ela. 

"Iiiinspira !!!" Ordenava. " Eiiinche o peito de ar...." - e eu enquanto não dava a hora do desenho, prendia a respiração e cansava só de ver o que ela fazia.

Admirável a senhora Yara Vaz - para quem não conhece, favor não confundir com Iara Vaz na busca do Google. A segunda tirou proveito do nome e trabalha na mesma atividade. Lembrar que um Y faz toda a diferença.

Porque estou lembrando disso?! 

Minha pequena chegou agora para mim, pedindo a ajudá-la a fazer uns exercícios da fono. Alguns pediam para inspirar e falar algumas palavras soltando o ar, outros, inspirar e emitir alguns fonemas. Lembrei do aquecimento vocal do cantor Edson Cordeiro: "Si - Fu- Si- Fu - Si - FU..."

O último exercício é em pé, inspirando e levantando os braços e expirando soltando o ar lentamente. Era minha chance:

Iiiinspira !! Eiiinche o peito de ar... Iiisso ! Sem sofrimento !!!

Na terceira vez quem precisava de ar era eu.

Quem nasceu para sedentário nunca chega a Yara Vaz...





quinta-feira, 19 de março de 2015

OBRIGADO !



Obrigado, mamãe e papai !!!

Por estimularem a liberdade do meu pensamento.

Por me darem senso crítico para tentar avaliar o certo e o errado.

Por me ensinarem que o meu destino só depende de mim.

Por me darem a mão quando eu precisei.

Por me ensinarem a andar sozinho se fosse preciso.

Por me darem os primeiros livros e incentivarem que eu tirasse minhas próprias conclusões.

Por me fazer entender que devo cuidar do meu próprio nariz pois se me meter na vida dos outros é feio.

Por olharem para mim sem me julgar pelos meus erros mas dando força para os meus acertos. 

Pela bronca quando não passei de ano e a puxada de orelha me fazendo olhar para frente, não para trás.

Por mostrar que perrengue passa logo e que tem horas que são down outras up. E você tem que estar pronto para as duas.

Tinha muito mais a agradecer. A comida na mesa, o remédio, a roupinha legal, o carinho, o cuidado, as horas insones, a escola, as alegrias compartilhadas, o Merthiolate ardido e o sopro, o termômetro, o sorvete gelado, o sorriso antes de dormir,... Não cabe aqui dentro, ó.

Estou tentando ensinar aos seus netos tudo isso.

Obrigado.

terça-feira, 17 de março de 2015

POR ISSO E POR AQUILO




Me mandaram odiar você pois sou pobre e não posso admitir que você ganhe mais que eu.

Me mandaram odiar você pois uso amarelo CBF e você vermelho CCCP.

Me mandaram odiar você pois não devo aceitar que você seja gay e pois na cabeça de quem me mandou odiar, você pode contaminar a sociedade com seu gênero.

Me mandaram odiar você pois seu time é de elite - seja lá o que isso signifique - e o meu popular.

Me mandaram odiar você e repetir o discurso pronto ou as frases de efeito que aparecem no Facebook, Twitter, Instagram e afins.

Me mandaram odiar você em nome da religião que não admite seu modo de vida.

Me mandaram odiar você pois você diverge de tudo que me mandaram odiar.

Me mandaram odiar você e te ofender sempre que possível para demonstrar que sou fodão nesse negócio de odiar mesmo não te conhecendo.

Me mandaram odiar você pois você vê TV e falaram que por isso você não pensa pela sua própria cabeça.

Me mandaram odiar você pois bebo suco e você Coca.

Me mandaram odiar você pois você fez Telecurso e eu estudei na Europa.

Me mandaram odiar você em nome de um moralismo imposto por não sei quem.

Me mandaram odiar você pois sou branco e você é negro.

Me mandaram odiar você pois sou negro e você é branco.

Me mandaram odiar você pois nasci no sul e você no norte.

Me mandaram odiar você pois nasci no norte e você no sul.

Me mandaram odiar você por você estar engajado em apoiar mentiras por convicção, dinheiro, ingenuidade ou desconhecimento - ou tudo isso junto.

Me mandaram odiar você pois minhas roupas são de liquidação e as suas de grife.

Me mandaram odiar você pois você gosta de azeitona e eu de cebola frita.

Me mandaram odiar você pois se você não escolhe a quem deve fazer o bem, é bom que tenha certeza a quem deve odiar também.

Me mandaram odiar você pois tenho que apoiar a violência gratuita, ao invés da conversa desarmada, mesmo que você não concorde com o que me determinam como argumento.


A questão, meu caro, é que não sou babaca e nem acato ordens.


quinta-feira, 12 de março de 2015

MANIFESTANDO


Frederico chegou em casa apressado. Deu boa noite amor e beijou Janete e foi direto para o banheiro.

- Dor de barriga amor?

- Não. Preciso sair logo. Estão me esperando lá embaixo – disse tirando a cueca e jogando no chão.

- Esperando? Você vai aonde?

- Vou me concentrar com o pessoal para marcha em defesa da Petrobrás e luta pelos direitos do Sem Terra.

- Tá maluco Fred ?!

-Não, preciso me manifestar. Essa é a hora!! Não precisa nem preparar o jantar; vai rolar uma quentinha na barraca.

Janete olhava atônita o marido esfregando a espuma do shampoo.
- Frederico Silva. Você só pode estar brincando. Vim correndo do trabalho para preparar o empadão de frango e você quer “manifestar” ?! Baixou espírito ?!

- Janete, querida, me chame de companheiro Silva. Sim hoje vou sair e só volto na segunda-feira.

- Quinta, sexta, sábado e domingo? Vai ficar fazendo o quê na rua?? Tem mulher nessa história Frederico??

- Mulher, mulher... Você acha que homem só pensa em mulher?! Minhas aspirações são patrióticas, Janete. E dia 15 tem outra. Tô lá para pedir a reforma política e o impeachment. Dizem que vai rolar até open bar na concentração... Cadê minha camisa vermelha?

- Frederico, você nunca teve uma camisa vermelha, “tu é gremista”. E se você acha que eu vou ficar aqui sozinha com empadão no forno está muito enganado... 

- Manifesta, Janete; bate panela também !! Domingo, se quiser me acompanhar pode vir. Lá pode você pode chamar de Frederico...

- E se alguém da sexta-feira te encontrar no domingo??

- Eu não pensei nisso. Nesse caso você sai no braço por mim. Direitos iguais, amor...


quarta-feira, 11 de março de 2015

PALAVRAS, PALAVRAS, PALAVRAS



Quando eu era moleque, um antigo texto do Veríssimo descrevia sua percepção a  respeito da sonoridade e uso de algumas palavras. Dizia que algumas delas, talvez foneticamente, tinham o significado errado. Lembro até hoje de uma dessas palavras que até então não conhecia: defenestrar (propício, não?!). 

"Galanteadores de calçada deviam sussurrar no ouvido de mulheres:
- Defenestras?
A resposta seria um tapa na cara"

Desde essa época fico caçando palavras que acho que não combinam com o que verdadeiramente são. Semana passada fiz um teste bobinho na internet cujo objetivo era aferir se o sujeito conhece os significados de trinta palavras - na verdade 90, pois cada pergunta tinha três escolhas. Nesta relação apareciam algumas que nunca li mas por associação acertei seu sentido - acho que não aparecem em nenhum léxico. Caíram no desuso ou sequer entraram em uso. 

Lembrei do Veríssimo e pensei em alguns nomes próprios e outros substantivos que poderiam perfeitamente ornar o dicionário com novos significados.

Em tempos de erosões no trato digestivo, surge um super herói cuja origem é eurasiana: "Mylanta Plus. Aquele que com sua capa branca protege as paredes estomacais."

Miley Cyrus: peça encontrada em caminhões fabricados na Europa - "Tenho que comprar uma maileisairus para a correia dentada."

Impeachment poderia ser nome de chiclete - "Mãe compra um "impitmen" de melancia para mim?"

Rastaquera: um tipo de forró realizado ao  pé do morro. "Hoje o convidado da rastaquera é Nésinho da Sanfona."

Eritema: a música que toca no começo de um seriado infantil - "Mãe, não quero tomar banho  agora! Tocou o eritema da Bruxa de Blém"

Capelão: um tipo de chapéu bem grande, maior que um sombreiro - "Nos dias de sol, coloco meu capelão da cabeça e saio por aí sem destino"

Disjuntores: são os caras que fazem massagem nos praticantes de box depois de um combate - "... Zé Coice de Mula relaxa depois da luta com um disjuntor em suas costas."

Niilista seriam os estudiosos das atividades econômicas do Egito antigo às margens do Nilo - "Niilistas  encontraram no Alto Egito a múmia que seria do primo distante do faraó Hórus Ka II"

Polaina: uma espécie de abajur para o quarto de bebês - "Apaga a Polaina do quarto da Nivinha?!"

*                   *                   *

Listei algumas palavras e termos que poderiam muito bem serem usadas como palavrão - somente pela sonoridade. 

Churréia, pau a pique, brochura, pelego, peritônio, cabedal,...

Na hora da raiva: vai pra casa do peritônio, lamber pelego !! Você não é nada, você é só uma churréia de pau a pique !! Seu brochura !!!



*                   *                   *

Tem também aqueles termos, aquelas locuções que enchem o pacová (no dicionário tem!) do desafortunado, pelo tando de vezes que foram ou são usadas. 

São tataranetos do "arrebentou a boca do balão" (que virou "arrebentou"); bisnetos do "Cuba lança" , netos do "a nível de...", filhos do "paradigma".

São os: "tô de boa", "vergonha alheia", "tapa na cara da sociedade", "chatiada"(sic),... 

Esses poderiam muito bem desaparecer... 


Maluquices da minha cabeça. Acho que hoje "não tô de boa". Vou chamar o "Mylanta Plus".





segunda-feira, 9 de março de 2015

ODORES E SABORES




Os odores pairam no ar. 

Passo pela rua e sinto as carnes e temperos sendo assados, fritos, cozidos e invadindo minha narinas sem pudores. 

A muçarela derrete sobre a massa em um forno qualquer e imagino-a tostando na lateral do tabuleiro, insensível a quem passa do lado de fora.

A fumaça sobe branca a espera de um papa para saborear maminhas, picanhas, fraldinhas, mas as paredes estão na frente.

O molho para a massa borbulha com seus misteriosos temperos e penetram pela janela sem escolha de lugar para se esconder e ser sentido.

A picanha suína é assada na pressão e se imagina na terrina repousando a espera que em uma tranquila mordida derreta na boca.

A linguiça é frita com a cebola para que, junto com a cerveja gelada, faça um trio a ser comido sem elegância mas com sabor. 

O aipim frito, crocante por fora e macio por dentro espera ser mastigado com paciência, sem pressa. Monges devem comer aipim.

O peixinho empanado repousa sobre um prato e se associa à um molho à campanha e uma leve farofa.

O olhar procura o cítrico.

Enormes maracujás aguardam ser cortados para que a polpa seja batida com gelo e acalmar os ânimos.

Limões são espremidos até o bagaço e seu líquido verde chá se avoluma junto ao açúcar e muito gelo para ser bebido em goles generosos.

As laranjas fartas de sumo que escorre pelo recipiente enche copos e copos e são deliciadas em sua acidez pelas papilas gustativas.

Dolorosa e inoportuna, assim é a gastrite. E tome batata cozida, leite desnatado,  pera, bananinha, mamão, peito de frango, peixe,... E remédio.


Troço sem graça.