quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

MADRUGADA


Dou uma olhada no céu e a lua, mesmo não sendo super, apresenta-se linda.
Nuvens baixas e ralas fazem formar dois círculos coloridos, um dentro do outro  contornando-a. Chamo meu filho pra compartilhar a imagem e me servir como "testemunha".

Noite boa é noite de lua cheia. 

Tô muito bucólico; insônia da porra. 

domingo, 10 de fevereiro de 2019

Distante das tragédias humanas, das lamas visíveis, das cinzas, ou fumaças tóxicas, fui menino.
Um garoto quieto com um cachorro no quintal e bola nos pés cascudos de cimento e asfalto. Perto do Maracanã, alguns que viveram isso, sabem como deuses são efêmeros e outros eternos.

Eu, ao lado, na Vila de Noel, fugia para jogar pelada. Quando não, para jogar botão. Vícios do esporte bretão. Numa dessas, como é próprio dos meninos de sete ou  oito anos, parti com meu saquinho de pano carregando os maiores craques de galalite da Papelaria Kapel da Praça Sete e goleiro de caixa de fósforos, enfrentar os craques de outro moleque da escola. Minha tia, costureira,  tomava conta de mim, enquanto minha mãe trabalhava numa empresa e só voltava à noite. Não, elas não sabiam de minhas "aventuras" .

13:45.
Na Globo AM tocava Roberto Carlos - "Valdir Vieira/ um cara tão legal..." , dizia o jingle . Eu devia estar brincando por ali enquanto o motoradio estava ligado e a máquina de costura fazia seu "nhenhenhenhe" frenético.

14:45.
- Clayton... - ela chamava e eu não respondia. "Deve estar no quintal jogando bola sozinho".

Um colega da escola, um garoto chamado Tony, que morava uns cem metros da minha casa num prédio da mesma rua - logo ali, ó - já tomava um sacode dos meus craques e pedia seguidas revanches.

15:45
Minha tia desesperada procurando por mim pela casa. Não. Não estava por ali. Precisava fazer alguma coisa. Onde foi parar esse menino?
Vai para rua. Vão juntos meu irmão e meu primo para ajudar a procurar.

16:45
Portão do prédio do Tony.
- Mas que moleque!!! Como é que você sai assim se avisar!!! Onde você estava??? - gritava enquanto segurava minha orelha.
-Para, Té! Eu fui jogar botão na casa do Tony!!
Seus dois acompanhantes na busca riam divertidos da minha agrura enquanto eu era levado pela rua, seguro pela orelha até em casa.

Que desespero. Não o meu. O dela. Que cuidava como mãe. Que zelava como mãe. Que amava como mãe.

Fico aqui lembrando de dezenas de histórias boas, enquanto ela nos deixa. Nove décadas e um pouquinho. Um sopro de amor pela vida.
Beijos de seus muitos sobrinhos. Para uns tia Pátria, para outros tia Zizinha, para mim, "Té", minha tia, madrinha e mãe de coração.

Vou ficar com saudades. Vamos todos ficar com saudades. Muitas.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

TANGO (poesia)

Minhas pernas urgentes
e sem direção
pela calçada de pedras alvinegras
banhadas pelo rubro do meu sangue mental
cambaleiam em fúria morta
dessa maldita esquina torta
em que se meteu meu coração.

O tango que não se dança
O passo que não faço
Meu traço
Minha tragédia
em movimento
Descompassado no Paço
No desenho do braço,
a dança.

A dança.
Tatuagem bordada na pele
Trançada no bíceps
A síntese da minha dor
Meu tango
Meu...


Fragmento do livro "Erogenia"

sábado, 2 de fevereiro de 2019

A SUA FÉ

Meu primeiro livro foi baseado em um tema específico: fé.

Nunca mais escrevi sobre isso. O texto fala sobre um cara que durante sua vida acaba cometendo os ditos sete pecados capitais. É alguém aparentemente incrédulo, mas descobre sua fé a partir de um fato corriqueiro. Realismo fantástico no formato de novela.

Diferente do personagem que criei, entendo-me cético quanto a existência de qualquer divindade. Não concebo milagres. Não creio em "livramentos". Não compartilho credos ou louvaminhas as quais considero inúteis. Se eventualmente digo em uma situação de stress "meu deus do céu" ou "nossa mãe (do céu céu)", não é por apego à qualquer fé, mas uma interjeição que substitui palavrões cordiais, tipo "porra, que merda" ou um "caraaaajo". É mais educado, por assim dizer. Saiba que se um avião estiver passando por uma turbulência, vou estar xingando o controlador de vôo, o tempo, um urubu qualquer, o piloto, alienígenas, sei lá, e não rezando um pai nosso.
Entretanto, e é fato, brigo pelo direito de qualquer um a ter a fé que deseje ter. Ou que deseje não ter fé nenhuma.

Religiões são parte da cultura de cada povo. Sincréticos como as religiões de origem africana.
Monoteístas como judeus, cristãos e muçulmanos. Panteístas como os indianos.
Pastafarianos galhofeiros ; é, talvez eu seja pastafariano. 

Se você nascesse numa gruta nas Ilhas Fiji e quisesse crer no espírito dos ossos do cação do arquipélago que você acabou de pescar e comer, não seria mais nem menos que o sujeito que vai à igreja uma vez por semana em busca de milagres. Como você nasceu no Brasil, é provável você siga uma religião cristã, como a maioria da população.

Religiões, para a grande massa, servem como alívio na trajetória individual. Assim como certos remédios, o que faz a diferença é a dose.

Ah, então você é ateu?

Hoje respondi que era agnóstico, meio sem convicção, só para não alongar o assunto. Agora, de bobeira, vou explicar, como expliquei para minha filha de treze anos.

Caríssimos, não creio que um deus qualquer intervenha no que quer que seja neste sistema solar ou nas bilhões de galáxias universo afora. Isso se estuda em astronomia.

Não creio que haja um plano divino quando um raio caia na cabeça de alguém na praia. Isso se estuda em física.

Não creio que um deus qualquer esteja preocupado com a criança que foi abusada por bandidos enquanto estudava em casa. Isso é crime e seu remédio, justiça. Seja lá qual for: o código penal, o código Hamurabi,... 

Minhas dúvidas filosóficas são semelhantes às de Saramago em  "Caim". Como pode um deus bom aniquilar cidades em que existam inocentes. Aquela bala perdida não poderia ir vinte centímetros para cima? Aquele motorista não poderia ter parado no acostamento antes de dormir só ao volante? O mar revolto não poderia estar manso enquanto os refugiados navegavam.

Que curioso deus do bem, do amor, da misericórdia, que é onisciente, onipresente e potente mas não acode os inocentes e deixa impune os culpados?
Mas isso faz parte do MEU pensamento. Você deve fazer o que quiser. O que sentir que lhe faz bem. Ok?! 

Quando dizem que oram por mim ou desejam que deus me proteja, fico lisonjeado e agradecido pelo bem querer daquela pessoa. Mesmo que a vezes seja só um lugar comum. Não a proteção de um deus qualquer.
Não julgo sua fé. Só não a compartilho. Não contesto seu direito de tê-la e se for necessário, brigarei pelo direito de você professá-la.

Amém.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

BODAS DE ALGODÃO (miniconto)




Não se falavam mais. Dois dias de silêncio

Ele levantou e encaixou os pés meticulosamente nos chinelos colocados sobre o tapete. Ela tinha espalhado no chão do seu lado na cama a calça do pijama do avesso, o celular e o carregador com o fio pendurado, um pé da pantufa da Minie e um dos muitos travesseiros que o casal mantinha na cama.

Dois anos juntos. Juntos, quarenta e quatro anos. Sozinhos, vinte um e vinte três. 

Quando ela levantou e ele já escovava os dentes com a porta da suíte fechada. Ligou a TV e um careca com fones de ouvidos falava alterado olhando para um computador qualquer.

Quando saía do banheiro, o sagrado ritual de vestir-se para o trabalho prosseguia. Sapatos limpos, lustrosos e caros - igual ao sogro. Uma leve água de colônia. Iphone último modelo sobre a mesa do café. Esporte fino, chaves do carro. Beijo protocolar e tchau.  Dois dias sem beijos, mesmos protocolares. Tchau ?!

Apertou o controle em um número qualquer e colocou no canal Bloomberg. Ele assistia isso todos os dias antes de ir trabalhar, hoje não. Alguém falava em inglês e ela não entendia. Números passavam freneticamente no rodapé da tela. A vida dele era um saco.

A dela? Não, a dela não. Ela fazia brigadeiros.