domingo, 10 de março de 2013

Bolero - 3a parte



- Está esperando alguém?
Um sujeito sacudiu meu ombro fazendo com que eu abrisse os olhos e visse sua imagem turva. Apertei as pálpebras e observei sua testa franzida que inquiria sobre minha presença. As cadeiras estavam de pernas para o alto sobre as mesas. A música havia acabado e as luzes acesas não tiravam a impressão que sempre tive daquele lugar: parecia um enorme porão. Respondi com minha boca seca de hálito duvidoso.
- Laura.
- Quem?
- Bárbara.
- Ah. Já deve estar vindo...
Fiquei na cadeira esperando por Laura.
Em meus delírios alcoólicos, meus treinos em frente ao espelho, meus planos perfeitos para quebrar o gelo, em nenhum momento tive a sorte de vencer as barreiras que se postavam à minha volta. Timidez. Agora eu tinha Laura e pertencia a ela. Às escondidas, as escapulidas pelos muros do vizinho vestindo minhas roupas que mamãe dizia ser de mendigo foram fugas obrigatórias para enfim viver esse romance inusitado.

Minha vida antes e depois de Laura, assim se divide.

*        *        *

Meu pai deixou-nos uma fortuna em dinheiro, diamantes, ouro, obras de arte e o controle e participações em empresas que vão da indústria farmacêutica ao ramo de comunicações. Nossa herança se estende de costa a costa de nosso continente e encontra países do outro lado do Atlântico. Minha irmã mais velha e minha mãe detêm o conhecimento e a maturidade para administrar todo esse patrimônio. Eu, no entanto, sempre preferi a reclusão. Minha educação foi moldada para atingir a perfeição erudita. Esta era a escolha de minha mãe para mim. Eu, sempre rejeitei este estigma. Sem opção, sobretudo depois da morte de meu pai, preferi viver num mundo que criava somente para mim nos quartos das casas onde moramos - uma sempre maior do que a outra a cada mudança - ou em minha casa em Menorca, em San Jaime.
Sempre preferi meu pai. Sua força, seu apreço à liberdade. Ele, depois de sair pelo mundo aprendendo com a vida e ganhando toda a riqueza que nos deixou, pode manter e assistir à propriedade rústica de minha avó. Ao lado, construiu-me, uma belíssima casa, idêntica a um desenho que fiz à época que ainda me carregava em seus ombros. Minha casa da árvore, meu castelo, meu lugar. “Esta es su refugio. Esta casa fue construída sólo para ti”. Quando não estava lá em férias com ele e eventualmente com minha mãe e irmã que sempre preferiam centros mais cosmopolitas como Madri, ficava a maior parte do tempo em meu quarto digerindo e regurgitando história e literatura e sem nunca me aproximar da realidade mundana de seus negócios. Morei por um ano completo em San Jaime quando fiz doze anos e meu pai acabara de falecer em um acidente aéreo. Consolava e tinha o consolo de minha avó ainda viva. Após sua morte três anos depois, disse aos empregados que mantivesse sua casa sempre limpa e arejada, mas que não entraria mais lá.

*        *        *

         Os bajuladores diziam que meu rosto era expressivo.
         Minha irmã é mais velha que eu quinze minutos. A ela foi destinada a beleza física e o encanto da conjunção do DNA de nossos pais. Sua exuberância vai de sua falange distal às pontas de seus cabelos negros. Enquanto ela era comparada à bonecas, eu não tinha comparações. As opiniões sobre minha beleza viviam nas cabeças dos mais chegados à nossa família. 

Durante a preguiça do fim de semana...