- Está esperando alguém?
Um sujeito sacudiu meu ombro
fazendo com que eu abrisse os olhos e visse sua imagem turva. Apertei as
pálpebras e observei sua testa franzida que inquiria sobre minha presença. As
cadeiras estavam de pernas para o alto sobre as mesas. A música havia acabado e
as luzes acesas não tiravam a impressão que sempre tive daquele lugar: parecia
um enorme porão. Respondi com minha boca seca de hálito duvidoso.
- Laura.
- Quem?
- Bárbara.
- Ah. Já deve estar vindo...
Fiquei na cadeira esperando por
Laura.
Em meus delírios alcoólicos, meus
treinos em frente ao espelho, meus planos perfeitos para quebrar o gelo, em
nenhum momento tive a sorte de vencer as barreiras que se postavam à minha
volta. Timidez. Agora eu tinha Laura e pertencia a ela. Às escondidas, as
escapulidas pelos muros do vizinho vestindo minhas roupas que mamãe dizia ser
de mendigo foram fugas obrigatórias para enfim viver esse romance inusitado.
Minha vida antes e depois de
Laura, assim se divide.
* * *
Meu pai deixou-nos uma fortuna em
dinheiro, diamantes, ouro, obras de arte e o controle e participações em
empresas que vão da indústria farmacêutica ao ramo de comunicações. Nossa
herança se estende de costa a costa de nosso continente e encontra países do
outro lado do Atlântico. Minha irmã mais velha e minha mãe detêm o conhecimento
e a maturidade para administrar todo esse patrimônio. Eu, no entanto, sempre
preferi a reclusão. Minha educação foi moldada para atingir a perfeição erudita.
Esta era a escolha de minha mãe para mim. Eu, sempre rejeitei este estigma. Sem opção,
sobretudo depois da morte de meu pai, preferi viver num mundo que criava somente para mim nos quartos das casas onde moramos - uma sempre maior do que a outra a
cada mudança - ou em minha casa em Menorca, em San Jaime.
Sempre preferi meu pai. Sua
força, seu apreço à liberdade. Ele, depois de sair pelo mundo aprendendo com a
vida e ganhando toda a riqueza que nos deixou, pode manter e assistir à
propriedade rústica de minha avó. Ao lado, construiu-me, uma
belíssima casa, idêntica a um desenho que fiz à época que ainda me carregava em
seus ombros. Minha casa da árvore, meu castelo, meu lugar. “Esta es su refugio.
Esta casa fue construída sólo para ti”. Quando não estava lá em férias com ele
e eventualmente com minha mãe e irmã que sempre preferiam centros mais
cosmopolitas como Madri, ficava a maior parte do tempo em meu quarto digerindo
e regurgitando história e literatura e sem nunca me aproximar da realidade
mundana de seus negócios. Morei por um ano completo em San Jaime quando fiz
doze anos e meu pai acabara de falecer em um acidente aéreo. Consolava e tinha
o consolo de minha avó ainda viva. Após sua morte três anos depois, disse aos
empregados que mantivesse sua casa sempre limpa e arejada, mas que não entraria
mais lá.
* * *
Os
bajuladores diziam que meu rosto era expressivo.
Minha irmã é mais velha que eu quinze
minutos. A ela foi destinada a beleza física e o encanto da conjunção do DNA de
nossos pais. Sua exuberância vai de sua falange distal às pontas de seus
cabelos negros. Enquanto ela era comparada à bonecas, eu não tinha comparações.
As opiniões sobre minha beleza viviam nas cabeças dos mais chegados à nossa
família.