terça-feira, 10 de dezembro de 2019

PARNASIANO


Das musas do Monte Parnaso
De cada coisa um extrato, 
Meu pólo assimétrico, por assim ser, eu trato. 
O grato pelo ser grato
não indica o consumado ato
Mas há de saber que em seu prato
há labor, há saber, há pecado
o androceu no geniceu
não há melhor transgressão
arsenikó kai thilykó
Etílico, eu como 
se eu isso, eu aquilo
Eu idílico,
Eu Apolo,
no Parnaso fico. 





quinta-feira, 12 de setembro de 2019

CIAO - [partindo para o k2-18b]

De partida a um novo sol 
Lá na constelação de Leo!
Minha sunga azul do céu,
Cerveja gelada no kooler
A cem anos luz da Terra
aproveitarei as marés
"K2-18-b" 
Pode esperar, tô na estrada!!!

Meus pés colocarei descalço
nesse planeta gigante
Antes que outros pisem e digam: 
"Você tem que..."
Tá bom...
Já estou bem distante.

Preparando a bagagem 
da viagem interplanetária
Um exemplar de Pessoa 
e outro de Millôr Fernandes
Pra não esquecer de onde, 
antes,
vim e deixei saudades.

Minha rotina diária
será lembrar do que não quero
Mais ainda, do que não tenho
Pois para ser pioneiro
Nesse novo mundão de água
O importante é ter o conhecimento
e não dinheiro ou ser chicaneiro
como da terra de onde parto.

Farto de poluentes no ar 
Gente doente nas cidades
Paranoicos em rede nacional
Boiadas de insanidade.

Não há motivos para ficar 
portanto parto sem culpa
Quem sabe faço um streaming de lá
Com um casal de canarinhos que levo
Pra gorjearem como cá
Desopilar é o que espero.

Ciao impostos!
Pouco importam!
Ciao raparigas!
Deixo herdeiros!
Ciao velhacos!
Calibalizem-se
Ciao "amorinhas"
Reinventem seus mundos! 

quinta-feira, 8 de agosto de 2019

CRIVOS DE ERATÓSTENES

Crivos de Eratóstenes
De Alexandria à Roma
Conflitos bárbaros a números primos
Únicos ? Quem saberá ?
Indivisíveis ? Quem deixará?
Tantas distancias
Humanidades 
Unidades
Eu e ela
Um egípcio? Como uma grega?
Sempre uma viking


Língua bávara
sobre a pele pagã

Ou, que seja,
Greco-romana
Galega-burguesa
Eslavo-Búlgara ou 
anglo-saxã
Por que não ?

Ela atreve-se
Eu misturo
Pulo o muro
Sou bravo
Eu, eu mesmo, Craveiro!

Quando caio
Logo a encontro

Ela o cravo
Estamos prontos

Um conto de Fonseca
Imoral e pueril
Insano
Vilã e mocinha

Crava o espinho, a garbosa
Nós, personas distintas
Heterogêneas e tão iguais...
Gêmeos de duas vitelas
Azul e rosa
Púrpura 
Gostosa

O rústico e a lady
A princesa e o bruto
Limão e pilão
Nem tanto
Entreveiros comuns
Sem pranto 
Sem lutos pelo fim
Luta pela eternidade
Dois em um
Um dígrafo
Epígrafes
Sustenidos na canção
Um fonema indecifrável
Th...

Dois em um
Rum e Coca-Cola
Canção de Cartola
Pororoca de emoções
Um AP na Tijuca 
ou uma casa na Moóca
Rolando na minha rima
Meu imã
Meu pão 
Minha manteiga President
Uma em um
Um em uma
Vivência múltipla dos órgãos
Meu chão 
Meu tapete de nuvens
Volúveis
Muitos sins
Raramente um não
Claramente um não. 

quinta-feira, 13 de junho de 2019

ELA GOSTOU


Gostou do meu design avançado
meus pensamentos latitudinais
minhas linhas longitudinais

Gostou da muçarela de búfala
assando sobre a minha massa de pizza
Gostou do Cabernet Sauvignon 
Esquecido no fundo da taça
Sem falsas promessas
Só para misturar os sabores das línguas

Das almofadas do sofá
preparadas para sua nuca tatuada 
com um anjo de emergência qualquer


Das roupas deixadas na entrada

Ora sem nenhuma urgência ou serventia

Dos grãos de pistache decorando a mesa
Que no fim da noite se espalhavam pelo chão

Embora ache que gostou mais de outras coisas
Talvez das velas acesas na varanda
Nefandas, 
profanas ao lugar comum
Amém

"Vem" - disse.
Ama pisando o tapetinho indefectível
ao lado da cama

Andou pela casa com minha camisa de botão
cabelos molhados e meias soquete 
pois sabia dos meus fetiches 
Me pegando sem prevenção 

Ainda bem que ela gostou 

Só que subiu no telhado, a gata 
E desceu devagar 
pé ante pé
Em doses homeopáticas
Foi simpática
Foi mais 
Foi no tempo 

Foi...



terça-feira, 21 de maio de 2019

E AÍ ...?! JÁ SE ACOSTUMOU COM O SUJEITO ?

E aí ?! 

Você que ficou um ano falando para eu ir me acostumando... Não consegui seguir seu conselho. Para falar a verdade não me acostumei. 

E você já se acostumou?

Já se acostumou com a indolência do sujeito viajando por aí enquanto o país está um caos?

Já se acostumou com a falta de habilidade do sujeito que não consegue sequer articular com o Congresso por onde, "por acaso", passou 30 anos mamando sem fazer nada?

Já se acostumou com a incompetência do sujeito, presidente eleito, que não tem domínio sobre tema algum?

Já se acostumou com o a imagem do sujeito lambendo as botas do Trump e do Netanyahu ?

Já se acostumou com a inoperância do sujeito enquanto o desemprego aumenta e o PIB cai?

Já se acostumou com o sujeito protegendo filho corrupto?

Já se acostumou com o sujeito deixando o outro filho interferir nos assuntos de Estado pelo Twitter?

Já se acostumou com as falas inconsequentes do sujeito derrubando o IBOVESPA?

Já se acostumou com o sujeito sendo chacota pelo mundo?

Já se acostumou com o sujeito fazendo lambança e voltando atrás pois não tem a menor ideia do que seja gestão?

Já se acostumou com o sujeito, presidente eleito, tendo como guru (?!) um astrólogo que nem mora no Brasil?

Já se acostumou o sujeito usando o nome de Deus para conseguir apoio de quem tem fé?

Já se acostumou com o laranjal do sujeito ou chupou das suas laranjas?

Já se acostumou com os discursos idiotas do sujeito ?

Já se acostumou com o sujeito fazendo bravata quando não sabe o que responder?

Já se acostumou com o sujeito falando que o grande problema do Brasil é classe política como se não fizesse parte dela?

Já se acostumou com o sujeito nas redes sociais todos os dias ao invés de trabalhar, pois não sabe o que fazer com o país?

Já se acostumou com o sujeito sendo uma piada de mau gosto e persona non grata na América?

Já se acostumou com o sujeito tentar resolver os absurdamente complexos problemas do país somente assinando decretos – que provavelmente não tem o menor conhecimento do que sejam ou quais serão seus desdobramentos – e dizer que cumpriu metas de governo?

Já se acostumou com o sujeito pagando de idiota todos os dias para o seu subordinado, o tal Posto Ipiranga?

Já se acostumou com o sujeito mentindo, desmentindo e falando que a imprensa coloca tudo fora do contexto?

Já se acostumou com o sujeito assinando decreto para rico comprar metralhadora enquanto policial e pobre se dão mal todos os dias pelo país?

Já se acostumou com o sujeito falando merda diariamente e dizer que foi canelada?

Já se acostumou com a escolha que você fez pelo sujeito ? 

Não me acostumei, pois creio que esse sujeito não tenha qualquer predicado...



segunda-feira, 20 de maio de 2019

POESIA DE SMARTPHONE

Antes eu trocava a fita
sujava os dedos
no tecido negro e rubro
Furava a seda da Olivetti
Tek-tek-tek

Usava limpa-tipos
Folhas A4, Correto Carbex
Missivas em posta restante
Postais de um lugar distante


Tempos passados querida...
Hoje é tudo num instante

Hoje meu mindinho apoia meu verso
enquanto o polegar vacila
entre o amor 
e o horror ao corretor

Faz plim quando ela chama

Infla meu peito
Satisfaz meu ego macho-alfa
"Manda nudes meu bem..."

Aquele jeito, aquela chama
Em tempos modernos
Até o vício solitário é diferente
Tem um giga de velocidade

Não é fake, é maldade 

Portanto a paixão de improviso
agora circula em ondas de um 4G
Não mais nas mucosas do ponto G

Sabe lá o que é isso?

No "hifi" eu dançava colado
Sussurrava segredos
Embaraços ao pé do ouvido

Agora ?? Duvido !!!

Muda a letra 
Sai "h" entra o "w"

E no "wifi" de hoje
Só a senha é o desejo
Pode crer! Mais que um beijo!

Pois que venham !!

Noites insones em zaps da vida
Paracetamóis virtuais
Boleros em pacotes de dados
Substituição da solidão
Por mais solidão

A vida no modo avião 
Ansiedades aflitivas
Por respostas imediatas
Obsessivas
Obsessões
por notícias,
Por sinais

Por torturantes áreas de cobertura
Premissas falsas
Verdades ora irrelevantes 
que os bits nos aproximam
E nos trazem paz

Por hora, querida.
Não mais.



sexta-feira, 15 de março de 2019

NEM VEM

Taí ! Decidi ! Não vou morrer!
É . É isso mesmo! Nem vem !
Se a Morte vier vou tratá-la com desdém.
“Espere aí na recepção” - direi
Vou continuar conversando com o João.
“ Mas João, que jogão ontem, hein?!”
“ Não vai atender a moça, Clayton?”
“Moça ?! 
Essa quer troça comigo!
Quer que eu vire do avesso
Quer me aplicar um castigo?!
Logo eu ! Estou só no começo!”
Miro sem vontade e digo sem apreço
“Pode esperar por aí... 
Mas sentada, senão cansa”

Ela, de vestido grená,  quer dizer alguma coisa
Mas Morte não tem boca
Não me leva pra Roma, não bebe guaraná
Só uns murmúrios tolos que parecem me querer
Mas quando eu não quero, nada me faz mudar

Logo toca a campainha
abro a porta e é a Vida
Passo ela na frente; 
nem precisa de senha
Abraço com força 
Chamo ela pra dança
Moça esperta !
Acompanha meus passos
Serpenteia em meus dribles
Dá replay na minha finta
Faz assim desde criança. 
Vida se pega na cintura 
E se conduz sem destino
Joga luz em minha tinta
Nada me faz  mudar

A outra? 
Que espere ali na recepção.
E João me pergunta: você volta?
“Vou partir com a Vida, acho que não volto, não”.


sexta-feira, 8 de março de 2019

♀️♀️♀️♀️♀️♀️♀️♀️

A gente dá uma parada de meia hora assistindo jornais na TV, lendo notícias, ouvindo rádio quando pode, e fica estarrecido o tanto de casos de violência contra mulheres.

Somente nesta quinta, vi, repetidamente em canais de TV, algo sobre uma senadora americana estuprada enquanto prestava serviços à Força Aérea de seu país. Ou a moça que saiu do trabalho com o "namorado" (???) e foi espancada por ciúmes do troglodita, sendo largada nua em  uma estrada no Espírito Santo. Assisti ainda sobre a mulher que levou uma facada do "marido" enquanto dava almoço ao seu filho e sobrinha.

Muitos bárbaros soltos por aí, prevalecendo-se da força física. Muito macho-alfa de cérebro miúdo se achando cheios de razão.

A história do mundo está recheada de imposições pela força. Creio que a história precise tomar um rumo onde prevaleçam a inteligência e o respeito.

RESPEITO ÀS MULHERES, hoje e todos os dias.

Pra não falar que estou sério demais, desejo também muito chocolate que não engorde... 

quinta-feira, 7 de março de 2019

A DOIDA DA PRACINHA

Tinha uma senhora que aparecia no parquinho de vez em quando, enquanto as crianças brincavam no escorrega, no balanço, na gangorra, brincavam de roda, que aparentemente tinha problemas de cognição. Algumas mães ficavam preocupadas, uns pais ficavam de olho, eu lia meu jornal, comia um joelho e bebia um suco antes de subir para o trabalho. Ela não fazia mal a ninguém, mas como falava!  Muitas vezes falava sozinha.

Um dia sentou ao meu lado, deu bom dia e perguntou o que eu estava lendo. Respondi e ela emendou outro assunto. E perguntava, e eu respondia e ela perguntava de novo, agora sobre outra coisa. E nessa manhã mesmo, contou uma história sem pé nem cabeça, emendando uma frase na outra que só faziam sentido para ela. Ao final sorriu. Me despedi e ela respondeu: "Té manhã, Seu Jádio". Ri e fui trabalhar.

Porquê tô contando isso? 

Antes de completar 100 dias a frente do governo, o Líder Supremo das Redes Sociais, Imperador do Twitter, Comandante da Moralidade Absoluta, Soberano das Fake News, Capitão dos Laranjais, O Não Furado, Rei do Trono de Ferro Oxidado de Pindorama (perdão Daenerys, foi mais forte que eu 😉), conseguiu produzir, junto com seus sequazes, propositadamente, mais factóides que o César Maia na prefeitura do Rio. "Mas é claro! O cara é presidente, mermão! O que vale é a patente"!

Em verdade, em pouco mais de dois meses, já rolaram, por imperícia tosca e tacanha (ou de forma proposital - tenho direito às minhas teorias): demissão de secretário que ousou contrariar o seu filho, do que disse e foi "desdizido", por assim dizer ; afirmação perempta que se gasta DEMAIS com educação (?!) ; fuga de coletiva de imprensa fora do país - talvez por não saber o que responder(?!) ;  superministro batendo cabeça com outro ministro ; descoberta de esquema de campanha para ministro embolsar algum ; o "guardião da justiça e de carta branca" entubando sua própria proposta contra o caixa 2 ; guardião da justiça e de carta branca"  fazendo vista grossa pra "rapaziada" ; "guardião da justiça e de carta branca" "desnomeando" quem queria nomear ; gasto de mais de um milhão com cartão corporativo que seria extinto (promessa de campanha) ; ministro da educação propondo comercial de governo usando imagens de crianças ; ministro da educação chamando nós, os nativos de ladrões canibais (se faz necessário observar que o mesmo sequer é nascido em Pindorama) ; ministro da educação propondo extratificação do ensino - "tem uns pobritos que não merecem a meritocracia que precisamos" (esse moço é uma parada mesmo! ) ; acordo no congresso com pessoas que "jamais participarão do MEU GOVERNO" (palavras de campanha) ; e a mais recente: "divulgação de pornografia, contra a pornografia" (??!!) (ou Golden Shower Gate, como queiram). Tá animada a partida (se eu falasse "pelada", seria obsceno, vamos respeitar o cidadão de bem...).

Pra explicar a balbúrdia desses dois meses para o mundo seriam preciso milhares de senhoras da pracinha, falando sem parar. Uma espécie de velhinha de Taubaté do século XXI.

"Mas elas existem, né Seu Jádio!?" É, eu acho que existem...

Nota do autor: enquanto isso, um país permanece parado numa doentia (e estimulada) disputa entre destros e canhotos que só existem no papel. E veja, que curioso, a pessoa mais lúcida do governo é o vice, aquele que não apita nada...Ainda, né Seu Jádio!? 

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

MADRUGADA


Dou uma olhada no céu e a lua, mesmo não sendo super, apresenta-se linda.
Nuvens baixas e ralas fazem formar dois círculos coloridos, um dentro do outro  contornando-a. Chamo meu filho pra compartilhar a imagem e me servir como "testemunha".

Noite boa é noite de lua cheia. 

Tô muito bucólico; insônia da porra. 

domingo, 10 de fevereiro de 2019

Distante das tragédias humanas, das lamas visíveis, das cinzas, ou fumaças tóxicas, fui menino.
Um garoto quieto com um cachorro no quintal e bola nos pés cascudos de cimento e asfalto. Perto do Maracanã, alguns que viveram isso, sabem como deuses são efêmeros e outros eternos.

Eu, ao lado, na Vila de Noel, fugia para jogar pelada. Quando não, para jogar botão. Vícios do esporte bretão. Numa dessas, como é próprio dos meninos de sete ou  oito anos, parti com meu saquinho de pano carregando os maiores craques de galalite da Papelaria Kapel da Praça Sete e goleiro de caixa de fósforos, enfrentar os craques de outro moleque da escola. Minha tia, costureira,  tomava conta de mim, enquanto minha mãe trabalhava numa empresa e só voltava à noite. Não, elas não sabiam de minhas "aventuras" .

13:45.
Na Globo AM tocava Roberto Carlos - "Valdir Vieira/ um cara tão legal..." , dizia o jingle . Eu devia estar brincando por ali enquanto o motoradio estava ligado e a máquina de costura fazia seu "nhenhenhenhe" frenético.

14:45.
- Clayton... - ela chamava e eu não respondia. "Deve estar no quintal jogando bola sozinho".

Um colega da escola, um garoto chamado Tony, que morava uns cem metros da minha casa num prédio da mesma rua - logo ali, ó - já tomava um sacode dos meus craques e pedia seguidas revanches.

15:45
Minha tia desesperada procurando por mim pela casa. Não. Não estava por ali. Precisava fazer alguma coisa. Onde foi parar esse menino?
Vai para rua. Vão juntos meu irmão e meu primo para ajudar a procurar.

16:45
Portão do prédio do Tony.
- Mas que moleque!!! Como é que você sai assim se avisar!!! Onde você estava??? - gritava enquanto segurava minha orelha.
-Para, Té! Eu fui jogar botão na casa do Tony!!
Seus dois acompanhantes na busca riam divertidos da minha agrura enquanto eu era levado pela rua, seguro pela orelha até em casa.

Que desespero. Não o meu. O dela. Que cuidava como mãe. Que zelava como mãe. Que amava como mãe.

Fico aqui lembrando de dezenas de histórias boas, enquanto ela nos deixa. Nove décadas e um pouquinho. Um sopro de amor pela vida.
Beijos de seus muitos sobrinhos. Para uns tia Pátria, para outros tia Zizinha, para mim, "Té", minha tia, madrinha e mãe de coração.

Vou ficar com saudades. Vamos todos ficar com saudades. Muitas.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

TANGO (poesia)

Minhas pernas urgentes
e sem direção
pela calçada de pedras alvinegras
banhadas pelo rubro do meu sangue mental
cambaleiam em fúria morta
dessa maldita esquina torta
em que se meteu meu coração.

O tango que não se dança
O passo que não faço
Meu traço
Minha tragédia
em movimento
Descompassado no Paço
No desenho do braço,
a dança.

A dança.
Tatuagem bordada na pele
Trançada no bíceps
A síntese da minha dor
Meu tango
Meu...


Fragmento do livro "Erogenia"

sábado, 2 de fevereiro de 2019

A SUA FÉ

Meu primeiro livro foi baseado em um tema específico: fé.

Nunca mais escrevi sobre isso. O texto fala sobre um cara que durante sua vida acaba cometendo os ditos sete pecados capitais. É alguém aparentemente incrédulo, mas descobre sua fé a partir de um fato corriqueiro. Realismo fantástico no formato de novela.

Diferente do personagem que criei, entendo-me cético quanto a existência de qualquer divindade. Não concebo milagres. Não creio em "livramentos". Não compartilho credos ou louvaminhas as quais considero inúteis. Se eventualmente digo em uma situação de stress "meu deus do céu" ou "nossa mãe (do céu céu)", não é por apego à qualquer fé, mas uma interjeição que substitui palavrões cordiais, tipo "porra, que merda" ou um "caraaaajo". É mais educado, por assim dizer. Saiba que se um avião estiver passando por uma turbulência, vou estar xingando o controlador de vôo, o tempo, um urubu qualquer, o piloto, alienígenas, sei lá, e não rezando um pai nosso.
Entretanto, e é fato, brigo pelo direito de qualquer um a ter a fé que deseje ter. Ou que deseje não ter fé nenhuma.

Religiões são parte da cultura de cada povo. Sincréticos como as religiões de origem africana.
Monoteístas como judeus, cristãos e muçulmanos. Panteístas como os indianos.
Pastafarianos galhofeiros ; é, talvez eu seja pastafariano. 

Se você nascesse numa gruta nas Ilhas Fiji e quisesse crer no espírito dos ossos do cação do arquipélago que você acabou de pescar e comer, não seria mais nem menos que o sujeito que vai à igreja uma vez por semana em busca de milagres. Como você nasceu no Brasil, é provável você siga uma religião cristã, como a maioria da população.

Religiões, para a grande massa, servem como alívio na trajetória individual. Assim como certos remédios, o que faz a diferença é a dose.

Ah, então você é ateu?

Hoje respondi que era agnóstico, meio sem convicção, só para não alongar o assunto. Agora, de bobeira, vou explicar, como expliquei para minha filha de treze anos.

Caríssimos, não creio que um deus qualquer intervenha no que quer que seja neste sistema solar ou nas bilhões de galáxias universo afora. Isso se estuda em astronomia.

Não creio que haja um plano divino quando um raio caia na cabeça de alguém na praia. Isso se estuda em física.

Não creio que um deus qualquer esteja preocupado com a criança que foi abusada por bandidos enquanto estudava em casa. Isso é crime e seu remédio, justiça. Seja lá qual for: o código penal, o código Hamurabi,... 

Minhas dúvidas filosóficas são semelhantes às de Saramago em  "Caim". Como pode um deus bom aniquilar cidades em que existam inocentes. Aquela bala perdida não poderia ir vinte centímetros para cima? Aquele motorista não poderia ter parado no acostamento antes de dormir só ao volante? O mar revolto não poderia estar manso enquanto os refugiados navegavam.

Que curioso deus do bem, do amor, da misericórdia, que é onisciente, onipresente e potente mas não acode os inocentes e deixa impune os culpados?
Mas isso faz parte do MEU pensamento. Você deve fazer o que quiser. O que sentir que lhe faz bem. Ok?! 

Quando dizem que oram por mim ou desejam que deus me proteja, fico lisonjeado e agradecido pelo bem querer daquela pessoa. Mesmo que a vezes seja só um lugar comum. Não a proteção de um deus qualquer.
Não julgo sua fé. Só não a compartilho. Não contesto seu direito de tê-la e se for necessário, brigarei pelo direito de você professá-la.

Amém.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

BODAS DE ALGODÃO (miniconto)




Não se falavam mais. Dois dias de silêncio

Ele levantou e encaixou os pés meticulosamente nos chinelos colocados sobre o tapete. Ela tinha espalhado no chão do seu lado na cama a calça do pijama do avesso, o celular e o carregador com o fio pendurado, um pé da pantufa da Minie e um dos muitos travesseiros que o casal mantinha na cama.

Dois anos juntos. Juntos, quarenta e quatro anos. Sozinhos, vinte um e vinte três. 

Quando ela levantou e ele já escovava os dentes com a porta da suíte fechada. Ligou a TV e um careca com fones de ouvidos falava alterado olhando para um computador qualquer.

Quando saía do banheiro, o sagrado ritual de vestir-se para o trabalho prosseguia. Sapatos limpos, lustrosos e caros - igual ao sogro. Uma leve água de colônia. Iphone último modelo sobre a mesa do café. Esporte fino, chaves do carro. Beijo protocolar e tchau.  Dois dias sem beijos, mesmos protocolares. Tchau ?!

Apertou o controle em um número qualquer e colocou no canal Bloomberg. Ele assistia isso todos os dias antes de ir trabalhar, hoje não. Alguém falava em inglês e ela não entendia. Números passavam freneticamente no rodapé da tela. A vida dele era um saco.

A dela? Não, a dela não. Ela fazia brigadeiros.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

POLLY (miniconto)

Os projetos andam, mesmo que arrastando o solado no asfalto, andam. Segue um mini-conto dos que estão em elaboração para o novo livro. Usei o nome de uma amiga virtual para elaborá-lo. Espero que ela não fique chateada comigo...

Polly

Eu fico aqui inventando historinhas. Bois das caras pretas. Donas Chicas admiradas. Meninos Maluquinhos rondam minha cabeça enquanto escrevo. Os bois vão dormir, eu não. A criançada até fica feliz mas meus livros ficam ali largados no canto da creche. Doei alguns exemplares.

Ligaram para mim. “Seu Ramon” Detesto que me chamem “Seu Ramon”. O “Seu” só fica bom no Jorge. Seu Jorge. São Gonçalo. O "Seu Ramon", fica parecendo que sou velho. Estou ficando, mas não preciso parecer. “O senhor pode vir buscar a Pollyana agora? Aconteceu um probleminha.” Perguntei meio assustado o que tinha acontecido. “Ela está ótima. Nada com a saúde dela. Só precisamos que o senhor venha aqui agora”.

Toquei a campainha do portão e uma dona baixinha veio atender. Se me chamam de “Seu” chamo ela de “Dona”. “Seu Ramon, por favor o senhor poderia vir conosco.” Atravessei o pátio e a Polly estava sentada sozinha numa cadeirinha de madeira numa área coberta da creche. “Oi pai !” Gritou de lá. Espalmei a mão e sussurrei abrindo a boca para a ela ler nos meus lábios “Peraí”.

Passei pelo corredor de murinho baixo e envidraçado na altura do meus ombros onde ficam as crianças pequenas. Algumas estavam deitadinhas em colchonetes descansando. Aí ! Pisei num Lego. Doeu. A sola do mocassim é fina.

Entrei na sala dela e tinha uma mulher abaixada fazendo dengo com no filho - um ruivinho com a camisa do DeadPool. “Seu Ramon, essa é a mãe do Tomás” “Dona Estela, o nome dele é Thomas” Ela caprichou com a língua na ponta dos dentes. “Seu Ramon a Pollyana tem estado impossível esses dias. Canta alto acordando as crianças menores, pega os brinquedos e não empresta para o coleguinha, rabiscou a parede do salão dizendo que era uma artista como o pai. E hoje, Seu Ramon, ela mordeu o pescoço do Tômas, coitado...” “Thomas...” Falei que podia deixar que eu ia ter uma conversa séria com ela. Imagine, fazer bagunça e ainda morder o pescoço do Tômas” “Th...”

Olhei para o chão e lá estava “As aventuras do Gato Chani”.  Era pra ser Chaninho. Rasgaram parte da capa do meu livro.

Saí da sala e minha filha estava do lado de fora de mochilinha nas costas com as bochechas rosadas. “Dá mão” disse. Fomos para o carro. Coloquei ela no buster e prendi com o cinto. Assim que fechei minha porta ela danou a falar com aquela voz rouquinha de quem tomou gelado: “Pai, a tia Estela me colocou de castigo mas eu disse que a culpa não era minha que Tomás é bobo de galocha que só fala besteira e me empurrou aí eu mordi ele e ela disse que precisava falar com você que eu estava impossível e isso não é verdade pai, pois eu sou uma pessoa possível...” Aí eu ri. Ela não viu. Pedi que ela me dissesse o que aconteceu. "Foi ele pai. Ele falou que o seu livro é idiota que fala de um gato “escorosado” e de uma menina estúpida. Aí eu fui tomar o seu livro dele e ele puxou com força e rasgou a capa e eu disse que isso não ia ficar assim que eu ia falar com você ai ele jogou o livro em mim e e eu fui lá e mordi o pescoço dele” “Tá bom Polly. A gente conversa direito quando chegar em casa”.

Mirei no retrovisor e ela olhava lá fora. Minha filha é muito fofa.