segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

PÁTRIA



Na semana passada aqui em casa numa confusão de agendas antigas e recentes nos aparelhos celulares, procuramos o telefone da minha tia para ligar para ela.

Ela, que também é minha madrinha, já tem certa idade - e é claro que minha discrição não permite revela-la assim em público - e cuidava de mim quando eu era criança enquanto meus pais trabalhavam. Ela costurava; ou melhor, costura até hoje, em menos quantidade, lógico.

Numa dessas listas de telefone selecionei um apelido que, carinhosamente, poucas pessoas a chamam. Conseguimos falar com ela. Fiquei feliz. Ah, mas que relapso. Às vezes ela me liga dando bronca quando demoro a dar notícias: ”Eu não morri não, hein...!“ - e nem vai, ora bolas! Ah, vida que nos deixa sem tempo para o que é importante. Vida com pressa. Vida distante. Sem desculpas, Clayton.

Eu me lembro que, quando criança, ficava sentado durante horas brincando atrás da cadeira de trabalho da antiga Singer enquanto a máquina fazia seu barulho, encravando a agulha centenas de vezes no tecido - ” Tatatatatatatata...”. Ela costurava, eu cutucava as frestas dos tacos do antigo sobrado procurando e achando alfinetes aos montes.

Ouvíamos rádio e conversávamos à tarde toda, principalmente nos dias de chuva, quando não dava para bater bola no quintal, ou brincar com a cadelinha pequenez, ou ainda inventar super-heróis com um monte de brinquedos jogados pela varanda. Era bom. Crianças devem ter a liberdade de fantasiar suas histórias - faz parte do mundo infantil. Já fui uma mistura de Tarzan e Superman e desabei com as cortinas da sala. Mas mesmo nesse tempo de brincadeiras as crianças passam a entender as coisas e as pessoas como são. Percebem quem doa seu tempo para cuida-las. Percebem o carinho e a proteção.

O nome da minha tia / madrinha é Pátria. Sim! Além de Pátria é Maria. Minha avó foi realmente feliz. Quem mais teria um nome que representasse tanto acolhimento e zelo que Pátria Maria? Beijos, tia, madrinha, mãe, tudo...

*            *            *

Hoje as pessoas dificilmente vão ao dicionário. Procuram o Google ou Wikipédia – assim mesmo, como está escrito na página, com o acento agudo no “É”, e como em enciclopédia – para obter um mínimo de conhecimento rápido. Sou um sujeito curioso; olha o que achei no "uiquipédia":

“Pátria (do latim "patriota", terra paterna) indica a terra natal ou adotiva de um ser humano,
que se sente ligado por vínculos afetivos, culturais, valores e história.”

*            *            *

Aos brasileiros e aos brasileiros “de espírito” - e singularizo este povo por não conhecer profundamente a realidade de outros povos - é reservado um lugar belíssimo. As dimensões continentais guardam mais surpresas que todos os pacotes turísticos mundo afora. A riqueza de sua diversidade cultural das três raças que originaram o tal cidadão brasileiro mais o acolhimento de pessoas de todo o planeta durante séculos, fizeram e fazem desta “grande miscigenada” algo incomparável. Sua história entre tropeços e trapaças - vamos dizer assim – acertos e erros, também é rica em personagens em fatos que definem os valores que carregam sua história. Agora que todos têm disponibilidade de saber de tudo – mesmo através de “conhecimento rápido”, seria bom acertar o passo. Fazer o que for preciso. Ser menos cidadão do mundo e mais cidadão do Brasil. Estou tão ufanista que nem me reconheço; volto ao normal no próximo parágrafo.

O problema é que muitos dos seus filhos andam por aí sem serem acolhidos. Andam por aí sem eira nem beira, sentindo toda (má) sorte de desconforto. A maior parte deles por causa de outros filhos desta mesma mãe-pátria. Estes outros com eira, beira e coberturas nos Jardins ou Leblons da vida. Mas com os traços doentes da mentira e da corrupção.

Estes que tomam para si os destinos de seus fraternos parentes, e que ao invés de chá de boldo, repouso e canja de galinha nos momentos de enfermidade, tratam da casa da mãe-pátria com doses cavalares de Imosec antes das eleições e doses “antalares” de Lacto-Purga depois – estes têm a certeza do resultado que terão. Todos estão vendo.

Lamentavelmente a mãe-pátria dos brasileiros sofre com seus filhos. De aflição por aqueles filhos que não pode amparar e de vergonha pelos que viram as costas para ela.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Gostou ? Não gostou ?

Aproveite e deixe seu comentário sobre o assunto !!! É bom saber o que você pensa !!