quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

MAIS E MELHOR PARA VOCÊ



Acabou? Não, ainda não.

Mas já ouço fogos estourando pela cidade. Tentando exortar os males de 2014 para que se afastem do novo ano de 2015. "Pum... pum-pum" 

Xô... Xô...

Para alguns não foi de todo mal. Sério! Novidades rolaram.

Não devem ser apagadas as conquistas pessoais. As felicidades. Crianças nascendo aqui e ali e trazendo felicidades aos seus pais. Não se apaga o carro comprado com esforço. O trabalho novo para motivar seu espírito. A casa nova, do jeito que você sonhou ou que ainda vai ficar "no jeito". A universidade que projeta seu futuro. A viagem que você queria e fez. A grana imprevista que entrou - é isso também acontece. Aos encontros. Aos reencontros. As novas possibilidades que surgiram.

Mas para alguns, algumas tristezas. Pessoas queridas se foram e devem ser lembradas com alegria, não com melancolia. Algumas perdas. Alguns sapos engolidos, outros atravessados nas gargantas, aqui e ali. Algumas pessoas te decepcionaram. Faz parte do jogo. Algumas vezes esse tal de 2014 esqueceu a bola e acertou na canela.

Ao nosso redor as bruxas circulam no país inteiro. Agora em 31 de dezembro, se sabe que nem tudo é conto de fadas. A vaca tossiu, exceto para os cegos de plantão. Dependendo do caso, vale uma oração - ou um foda-se.

É bem isso. O foda-se para o que nos aflige e um brinde para as conquistas.

Que 2015 seja bem mais e melhor para você !!!

Abraços e até lá !! Já estamos chegando pertinho...


quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

CONSTRUIR


Durante o ano todo muita gente fica reclamando de tudo que vê errado. Do próprio destino, do destino alheio e do destino que é imposto a todos.

Sim, reclamar é normal ! 

Faz parte da vida de um sujeito que sofre consequências dos próprios atos ou de atos de outros, expressar sua insatisfação sobre este ou aquele assunto; coisas que o cercam, e que o afetam direta ou indiretamente. Eu faço isso quase o tempo todo. As vezes sou chato. Chato mesmo.

E isso acontece o ano todo. Sim, reclamar é normal !

Aí chegam as festas de final de ano. Família reunida; amigos e conhecidos juntam-se em confraternizações; estoura-se o champanhe na praia no ano novo; faz-se reza forte para tudo melhorar; renovam-se votos de esperança no futuro; fazem-se planos; vem a saudade por quem não está ali; chora-se um pouco; sorrisos em outro tanto... Com quase todo mundo é assim.

Mas neste cenário, tem sempre aquele indivíduo que reclama o ano inteiro, sobre tudo, sobre todos, para quem essa renovação é balela midiática de consumo e opressão religiosa. Que enquanto você está comendo sua rabanada tranquilo, um monte de gente está esperando no meio da rua para ser atendido onde não existem médicos em UPA's da vida. Enquanto o bacalhau cozinha no forno, estão levando sua grana em corrupções incontáveis. Que depois das festas tudo vai subir, incluindo sua pressão. Que enquanto você assiste aos fogos, crimes estão acontecendo na calada da noite. Que enquanto Estados Unidos e Cuba entram em acordo o país pá-pá-pá... pó-pó-pó... pu-pu-pu...

Eu no meu limite crítico, critico a mim mesmo e penso: "Cara, relaxa. Dá uma trégua! Enquanto você está aí se perturbando com as tragédias do planeta, será que você parou para brincar com seus filhos? Será que colocou sua mãe no colo? Beijou sua mulher como nos filmes de cinema? Abraçou seus amigos e contou boas piadas? Será que parou para tentar ser feliz com coisas simples?"

Não dá para resolver os problemas do planeta somente com sua reclamação, e certamente você se dá conta disso. Você não é o Obama. Você não é sequer uma presid'anta.

Então, mesmo que seja só hoje, dá um tempo e encha seu coração de coisas positivas . Planeje uma manifestação de boas ações para você e para os seus. Comece a levantar os tijolinhos do que seja bom para você e para quem está à sua volta. Perceba que a crítica neste momento só destrói; nada constrói.

A parte o cunho religioso desta data, entendo intrinsecamente o que ela representa para a maioria. Não, não é balela. Logo o meu sentimento tem o mesmo reflexo. 

Então pessoas: feliz Natal !!!

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

NÃO PARE DE VIVER



Morte é uma coisa extremamente delicada. Sobretudo para quem morre. 

Não, não é pilhéria sobre o assunto. Não, não é.

Os que não esperam pela morte, aqueles para quem ela vem de súbito; em um acidente, por exemplo, deixam coisas por fazer. Assuntos pendentes, sonhos grandes ou pequenos guardados em suas gavetas internas ou talvez em execução. A estes, ela é cruel, traiçoeira. 

Aqueles que a esperam, talvez acometidos por uma doença qualquer, têm o fio de esperança que os mantém vivos, lutadores até o fim. Há os que preferiram a "auto-morte", ou outros ainda se entregaram ou não conseguiram vencer. 

No final - bem final - das contas acabamos perdendo sempre.

É, partir não deve ser bom. Imagine: nove meses para nascer, mas só alguns segundos para morrer. 

Bons anos sob o sol, chuva, tempestades tropicais, suores, frios, calores, rios, mares e montanhas...

Bons anos, engatinhando, soltando pipa, bicicleta, sala de aula, primeiro beijo, sarro, foda, filho nascendo, amores, filhos continuando a nascer, aprendendo a dirigir, trampo, aprendendo a digerir, risos, família, conta, briga, bode, porre, amigos fraternos, traições, felicidades extremas, natais, netos, anos novos e... PÁ !

Não dá! 

Vendo assim, com a pressa de tudo, eu que não me dou direito a dar conselhos a ninguém, aconselho: não guarde o seu sonho para fazer mais tarde. Não dá para acumular desejos. Não dá para deixar para depois. Não dá para deixar de abraçar seus queridos. Não dá para comer com arroz. 

Viva toda hora. Viva todo instante. Viva todo dia como se fosse o último e deixe gravado na mente de todos que você foi aquele que viveu.

A saudade, para quem permanece, é bem isso: sentir falta daquele com quem o ato de viver foi compartilhado. 

Quem foi, vá em paz. Quem fica, um conforto para a saudade e viva em paz.

domingo, 21 de dezembro de 2014

PAUSA PARA BALANÇO


Cá estou testando o Blogger no meu brinquedinho novo. Ah, eu mereço e meus olhos agradecem ler letras graúdas.

Hoje que o verão se apresenta por aqui com uma bela chuva no final do dia, depois do céu ter ficado meio barro - meio tijolo, como diziam os mais antigos, li que a sensação térmica foi de 55 graus no Rio. Uau !

Tempo quente, pouca roupa e muito líquido. E a vida preguiçosa segue adiante depois do final de semana. Décimo terceiro pagando atrasos, corridas às lojas para presentes de Natal, tempo mais curto para encerrar os trabalhos do fim de ano, e para muita gente, férias.

Eu não.

Estou por aí olhando as coisas e tirando minhas conclusões de fim de ano. O tal "balanço".

Como a pressa das coisas anda sem parar e com passos rápidos, tento fazer minha síntese curta e rapidinha para não ser atropelado.

Passei mais tempo com a família e foi ótimo. Ganhei o tanto que pude e o que mereci. Me aborreci com tanta coisa que vi errada, mas vi que de nada adiantou. Engordei um pouquinho mais. Tive muitas alegrias e poucas tristezas.

Tá bom, foi bom, mas sempre pode ser melhor, como me diziam na época de conscrito depois de horas de ordem unida. Tudo bem. 2015 que me espere...

Texto curto. Noite preguiçosa. Afinal amanhã é segunda. Boa semana.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

PÁTRIA



Na semana passada aqui em casa numa confusão de agendas antigas e recentes nos aparelhos celulares, procuramos o telefone da minha tia para ligar para ela.

Ela, que também é minha madrinha, já tem certa idade - e é claro que minha discrição não permite revela-la assim em público - e cuidava de mim quando eu era criança enquanto meus pais trabalhavam. Ela costurava; ou melhor, costura até hoje, em menos quantidade, lógico.

Numa dessas listas de telefone selecionei um apelido que, carinhosamente, poucas pessoas a chamam. Conseguimos falar com ela. Fiquei feliz. Ah, mas que relapso. Às vezes ela me liga dando bronca quando demoro a dar notícias: ”Eu não morri não, hein...!“ - e nem vai, ora bolas! Ah, vida que nos deixa sem tempo para o que é importante. Vida com pressa. Vida distante. Sem desculpas, Clayton.

Eu me lembro que, quando criança, ficava sentado durante horas brincando atrás da cadeira de trabalho da antiga Singer enquanto a máquina fazia seu barulho, encravando a agulha centenas de vezes no tecido - ” Tatatatatatatata...”. Ela costurava, eu cutucava as frestas dos tacos do antigo sobrado procurando e achando alfinetes aos montes.

Ouvíamos rádio e conversávamos à tarde toda, principalmente nos dias de chuva, quando não dava para bater bola no quintal, ou brincar com a cadelinha pequenez, ou ainda inventar super-heróis com um monte de brinquedos jogados pela varanda. Era bom. Crianças devem ter a liberdade de fantasiar suas histórias - faz parte do mundo infantil. Já fui uma mistura de Tarzan e Superman e desabei com as cortinas da sala. Mas mesmo nesse tempo de brincadeiras as crianças passam a entender as coisas e as pessoas como são. Percebem quem doa seu tempo para cuida-las. Percebem o carinho e a proteção.

O nome da minha tia / madrinha é Pátria. Sim! Além de Pátria é Maria. Minha avó foi realmente feliz. Quem mais teria um nome que representasse tanto acolhimento e zelo que Pátria Maria? Beijos, tia, madrinha, mãe, tudo...

*            *            *

Hoje as pessoas dificilmente vão ao dicionário. Procuram o Google ou Wikipédia – assim mesmo, como está escrito na página, com o acento agudo no “É”, e como em enciclopédia – para obter um mínimo de conhecimento rápido. Sou um sujeito curioso; olha o que achei no "uiquipédia":

“Pátria (do latim "patriota", terra paterna) indica a terra natal ou adotiva de um ser humano,
que se sente ligado por vínculos afetivos, culturais, valores e história.”

*            *            *

Aos brasileiros e aos brasileiros “de espírito” - e singularizo este povo por não conhecer profundamente a realidade de outros povos - é reservado um lugar belíssimo. As dimensões continentais guardam mais surpresas que todos os pacotes turísticos mundo afora. A riqueza de sua diversidade cultural das três raças que originaram o tal cidadão brasileiro mais o acolhimento de pessoas de todo o planeta durante séculos, fizeram e fazem desta “grande miscigenada” algo incomparável. Sua história entre tropeços e trapaças - vamos dizer assim – acertos e erros, também é rica em personagens em fatos que definem os valores que carregam sua história. Agora que todos têm disponibilidade de saber de tudo – mesmo através de “conhecimento rápido”, seria bom acertar o passo. Fazer o que for preciso. Ser menos cidadão do mundo e mais cidadão do Brasil. Estou tão ufanista que nem me reconheço; volto ao normal no próximo parágrafo.

O problema é que muitos dos seus filhos andam por aí sem serem acolhidos. Andam por aí sem eira nem beira, sentindo toda (má) sorte de desconforto. A maior parte deles por causa de outros filhos desta mesma mãe-pátria. Estes outros com eira, beira e coberturas nos Jardins ou Leblons da vida. Mas com os traços doentes da mentira e da corrupção.

Estes que tomam para si os destinos de seus fraternos parentes, e que ao invés de chá de boldo, repouso e canja de galinha nos momentos de enfermidade, tratam da casa da mãe-pátria com doses cavalares de Imosec antes das eleições e doses “antalares” de Lacto-Purga depois – estes têm a certeza do resultado que terão. Todos estão vendo.

Lamentavelmente a mãe-pátria dos brasileiros sofre com seus filhos. De aflição por aqueles filhos que não pode amparar e de vergonha pelos que viram as costas para ela.

domingo, 7 de dezembro de 2014

UM CRIOLO E OS QUATRO PRETOS MAIS PERIGOSOS DO BRASIL


Para você que curte música, seja rock, seja soul, seja samba, seja rap, seja blues, seja o que você achar bom; seguem as impressões sobre dois lançamentos nos meses de outubro e novembro que ouvi com atenção.

CRIOLO – CONVOQUE SEU BUDA

Para ouvir Criolo você tem que estar com tempo livre. A aparente degustação fácil é uma mentira. Você precisa ousar.

Eu fui apresentado a ele através do You Tube – informação é tudo. Faz 3 anos. A primeira canção que vi e ouvi foi o brega-bolero: “Freguês da meia noite”. Achei engraçado e muitíssimo bem cuidada a produção. O que chamou a atenção, mais do que a música, hoje gravada e apresentada por Ney Matogrosso, foram os comentários de que o dito e até então desconhecido cantor era um rapper. Ué ?! Rapper ??

Como na disseminação de conhecimento o 4shared é um valoroso aliado, lá estava eu intrigado e de olhos abertos nas noites insones. Pesquisei. Criolo ou Criolo Doido? Fui ávido em busca de notícias e MP3 baixados na madrugada. Cara! O sujeito era bom mesmo !! Isso sem aquela produção toda. Cantada na raça e com ajuda dos amigos, ele tem uma bela história de persistência. “Criolo Doido – Live in SP” entrega boas músicas e interessantíssimas construções em suas letras. Na maior parte das vezes, e é essa a sabedoria do autor, o jogo de palavras permeia o pensamento durante toda a canção sem ser direto. A ambientação constrói uma linha de raciocínio na qual o ouvinte acaba não só entendendo muito  além do que é o tema central da canção, mas tudo que gira em seu entorno.

O premiadíssimo “Nó na Orelha” entregou ao público a inteligência das letras de Criolo aliada a produção também inteligente de Daniel Ganjaman (esse nome é demais !). Uma mistura rítmica onde rap, samba, reggae, bolero, MP do Brasil, foram agrupadas harmoniosamente, criando o perfil do artista.

Hoje, depois de uma enxurrada de prêmios, turnê internacional, Criolo lançou no mês passado mais um disco de canções. “Convoque seu Buda”. A evolução em sua obra é indiscutível. Criolo que se diz muito preto para ser branco e muito branco para ser preto, miscigena suas construções e definem seu perfil.

Uma passada nas miscigenações de Criolo:

“Convoque seu Buda” para trazer paz aos ânimos exaltados de manifestações e apreensões dos trabalhadores. A melodia mistura uma canção oriental à uma lenta batida de rap. O vocal de Criolo surpreende a quem nunca assistiu às suas apresentações ao vivo.  Os seguintes versos no refrão definem a que universo pertencem:” Nin-Jitsu, Oxalá, capoeira, jiu-jitsu/ Shiva, Ganesh, Zé Pilinda e equilíbrio/ Ao trabalhador que corre atrás do pão/ É humilhação demais que não cabe nesse refrão”

“Esquiva da esgrima” um rap composto de fotografia sobre fotografia, um quadro de pouca esperança, exceto por alguma grana para se ganhar. Triste e bela.

“Cartão de visita” é uma crítica ao consumismo. Pergunta se precisamos de tanta ostentação enquanto meninos continuam pedindo nos sinais. Pergunta se precisamos que o governo estimule o consumo enquanto a ignorância cresce. Verso perfeito: “Parcela no cartão essa gente indigesta”.

“Casa de papelão” mostra o ambiente insalubre, insano e impossível do crack.

“Fermento pra massa” é um típico samba de paulista. Diferente de “Nó na orelha” do álbum anterior, não é tão sutil ou engenhoso. A mais fraca do álbum - não dá para acertar todas, né ?!

“Pé de breque” já é conhecida de gravações que circulam pela internet. Clima do “The Specials” neste reggae bem legal.

“Pegue pra ela” tem um arranjo que lembra canções da MPB dos anos 70. Dori Caymi assinaria sem olhar. Bela canção.

“Plano de vôo” é o retorno de Criolo à sonoridade do primeiro álbum “Ainda há tempo”, só que com o selo de qualidade Ganjaman e a participação do rapper Síntese. Resgate da grandiloquência de um rap que só vi em Criolo.

“Duas de cinco” volta ao tema que aparece com constância em suas músicas: como fazer as pessoas crescerem num ambiente corrompido e violento.

“Fio de Prumo (Padê Onã)” A melhor do álbum. Juçara Marçal com voz preciosa derrama versos sincréticos abrindo caminhos e tombando o mal de joelhos. O jogo de palavras de Criolo é  G-E-N-I-A-L !!


Valeu Criolo !!!

*            *            *

RACIONAIS MC’s – CORES E VALORES

Para ouvir Racionais MC’s você tem que estar com tempo livre. A aparente degustação fácil é uma mentira. Você precisa ousar.

Eu fui apresentado ao rap nacional pela porta da frente. Ouvi antes de outros rappers os autointitulados “quatro pretos mais perigosos do Brasil” quando eles ainda não eram modinha. O ano 1994. O grupo aos poucos se consolidava em SP como as vozes mais contundentes da periferia. Nessa época , Thaíde – outro rapper, contemporâneo dos RMc’s – não sorria e a cena não era cult, era fechada. Ouvi o disco “Racionais’MC’s”, uma coletânea.  A canção que me chamou atenção foi “Tempos Difíceis”.  Além desta, uma que ganhou certo destaque: “Fim de semana no parque”.

Aqui no Rio, se achava que era um monte de favelado de SP querendo ser do Bronx. Nada mais errado; uma distância abissal da realidade do sudeste de SP e a que se entendia fora do Brasil.

Três ou quatro anos depois um soco no estômago com “Sobrevivendo no Inferno”. Eu sou casca grossa para esses paranauês, mas uma mistura de raiva, angústia, nó na garganta e olhos marejados surgiram ao ouvir atentamente e pela primeira vez “A fórmula mágica da paz”. Você acaba repetindo: descanse seu gatilho, irmão e procure a sua paz. Está na lista das músicas que mais ouvi na vida. Junto dela, os petardos “Capítulo 4, versículo 3” ; “Diário de um detento”; “Periferia é periferia”  e uma regravação de “Jorge da Capadócia”.

Em 2002 recarregaram suas baterias para o álbum duplo “Nada como um dia após o outro”. Destacavam-se “Vida Loka” e “Jesus chorou” – “do que adianta eu ser durão e o coração vulnerável...”

Doze anos depois estão de volta com o sexto álbum de inéditas: “Cores e valores”.

Lançado na semana passada. Baixei no mesmo dia. Não me arrependi.

Os versos continuam crus. Mas os olhos da experiência agora, depois de uma dúzia de anos, assistem e verbalizam uma evolução real da favela e uma renovação da sonoridade - mais limpa e ambiciosa, vinda do Capão Redondo.

Uma passada nas "quebradas":

Em “Cores e valores”, a canção que dá título ao álbum se junta em sequência a “Somos o que somos”.  Sem se importar em querer agradar a quem quer que seja, os versos pretendem afirmar a aceitação a si mesmo mas não a realidade à sua volta.

“Eu te disse” é simples: mexeu com mulher alheia pá. Não preciso dizer mais nada, certo mano?!

A sincopada “Cores e valores - Preto e amarelo”, mistura fé(?) e desejo pelo vil (?) metal – “na medida do possível vou louvando o Senhor/ dinheiro é bom de no Capão, Nova Iorque, onde for !” .

A hipnótica “Preto Zica” com seu jogo de palavras e gírias que se acumulam verso a verso pedem cuidado contra  o vacilo, senão: sem perdão.

“Cores e valores – Finado Neguin” descreve o modo de morte do tráfico e o tempo curto dos “neguin” que se envolvem.

Critica ao olhar da mídia sobre a confusão do Viradão Cultural em 2007 na faixa “A praça”. Sampleando.

“A escolha que eu fiz” a visão crime pelo criminoso depois de “perder”, ladrão –nesse caso um pulmão. Nada de novo, o bom e velho rap RMc’s - dessa vez citam até o Datena.

Em “Eu compro” o impulso consumista em contraponto com a realidade. Rolezinhos são sonhos.

“O mal e o bem” é um ABSURDO DE BOA !!!!!! Tiraram Timbaland do bolso e fizeram e melhor música do álbum. Urgente e Racional na voz de Edi Rock. 

“Você me deve” negritude sem coitadismo. Canta Mano Brown: “os preto têm que chegar”.

“Quanto vale o show”. História do RMc’s antes dos RMc’s. Para entender  o porque e no que deu.

“Coração Barrabaz” é uma arrastada canção de amor em versos destilados com a voz modificada de Brown. Que letra interessante! Quase uma introdução para a próxima canção.

"Eu te proponho" na voz romântica de Mano Brown – é..., malandro também ama. A música é a intenção de fuga de um amor bandido. Daí uma lista de pequenas homenagens a algumas "canções enamoradas" dos anos 70 e 80. São citadas "Vamos fugir" , "Eu te proponho" , "Pro dia nascer feliz" , "Exagerado" , "Fulgás" e a canção se encerra com um sampler de "Castiçal de Cassiano".


Quem estiver afim, ouse e ouça.


sábado, 6 de dezembro de 2014

A MINHA NÃO DEPENDE DA SUA



As placas tectônicas se movem e a culpa é só minha.

A gasolina sobe e o pré-sal não vai dar lucro, logo, eu sou o responsável.

O trânsito está congestionado na Rio Branco e as buzinas reclamam de mim.

A chuva desaba sobre as marginais, mas a Cantareira reduz o volume e é tudo por minha causa.

O Kilauea despeja lava pois tirei a tampa.

Cabeças rolam, colchões são queimados em Pedrinhas, então fui eu quem ordenou.

Você não pediu para nascer e os espermatozoides congelados eram meus.

Cartéis dominam obras e trilhos e a corrupção foi minha.

Uma canalha muda a regra do jogo e a opinião pública cai de pau em mim.

Se o pão da padaria está amargo, o responsável pela farinha de trigo sou eu.

Se o Milton desafina ao vivo, se o Criolo não se faz entender, se Djavan não toca na rádio e o Lobão virou ativista, é sinal que estou envolvido.

A sonda para de funcionar por falta de sol e a pesquisa se arruína – sem dúvida: a sombra sou eu.

Estou sentado aqui mas quem pisou no seu pé, sim, foi o meu.

Dirceu está livre e fui eu quem soltei.

Renan nunca foi preso e fui eu quem dei “out” para ele no pique.

Pizzolato curte a Itália e fui eu quem pagou a passagem.

Batisti anda tranquilo e o indulto foi meu.

Os palavrões reverberam em meus ouvidos. Críticas mordazes (e outras não) aparecem nos posts, nos portais e nos jornais de R$ 0,80.

Ouviu-se o barulho à mesa? O arroto veio de mim.

O chope sobre o balcão, o petisco na comanda, o amendoim do pivete, o camarão da mesa ao lado... pendura na minha conta!

Chegam cartas, e-mails e caixas com antrax.

Quebram-se contratos

Cortam a luz, a água e as comunicações.

Grunhidos, traques e muxoxos são ouvidos.

Dragões coloridos esbravejam arrogância.

Ouve-se gritos de “passa fora”, “VSF !” e “o povo unido jamais será vencido”.

E para quê tudo isso?

Não te tiro a razão.

Na parede do bar: “A sua educação depende da minha”

Não. A minha não depende da sua; sempre terei.

E mesmo que qualquer má fama me preceda e chegue aos jornais, continuarei bem educado.

Já você...



quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

FUNÇÃO DO TEMPO



A planilha eletrônica calculou que vivi mais de 16 mil dias.

Nessas horas de sol, calor, ventanias, chuvas esparsas, tempestades de verão, de falta de umidade, em que a desumanidade do tempo se impõe, meus radicais estão livres e avançam em meu corpo como Xgamers. Level 1, Sr. Tempo. Vamos ser otimistas: o jogo só está começando. 

Ainda assim ele se sobrepõe ao desejo da eterna juventude. À agora descabida rebeldia sem causa. Usa o quadro de vidro ao invés da lousa. Mostra-se no Tablet ao invés do tablóide de jornal. 

As coisas passam. 

Meu filho, hoje do meu tamanho, tem mais de 5 mil dias. Que felicidade! Mas nessa idade de descobertas, de explosões celulares, os conflitos virão, pois assim é a adolescência. Mas em sua essência, ele o primogênito e minha pequena,  são a minha continua ação no mundo, se a ordem natural das coisas não mudar. E não vai mudar.

Só é  certo que o corpo muda. A voz muda. O gosto muda. A roupa, a muda, também muda. 

Veríssimo, o filho, disse: "eu envelheço, mas usarei as calças dobradas no começo". Dobro as mangas da camisa e vou por aí. Sempre uso bermudas.

Em cartaz no cinema um filme sobre o Tempo, "Boyhood". Crescer é difícil ou nós que complicamos?

Li, na selva descrita dos jornais virtuais, direto da tela de meu smartphone, onde vejo que as vidas ainda são reais e o Tempo não mudou de nome; li que uma mãe tenta vencer o Tempo e o traço trágico que o destino lhe reservou: a auto-morte de seu filho. Ela celebra a vida. Vencer de alguma forma este senhor é o que resta. E com ajuda de voluntários, espalha pelo mundo as cinzas dele, aventureiro que por um instante esqueceu de celebrar a vida, para encerrar seu caminho. Lamento.

Volto no Tempo e lembro do pão debaixo do braço. Do Nescau no fim da tarde. De ver "A Linha" com Paula Saldanha na TV Globinho. Lembro de assistir TV de cabeça para baixo com os pés na parede (minha filha faz isso! E olha que ela tem mais de 3 mil dias!). Lembro de ser puxado pela orelha até em casa por ter saído escondido para jogar futebol e botão. Lembro da minha primeira ereção ao ver Sandra Bréa dançando no Fantástico do alto dos meus sete anos. Lembro do dia que marquei cinco gols na pelada. Lembro do primeiro beijo. Lembro de matar aula para namorar. Lembro, lembro, lembro... Não fico remoendo tristezas ou melancolias; só lembro.

Lembro de tudo que foi importante, e é o que me faz quem sou.

Lembro também do corriqueiro, e que também é o que me faz quem sou.

Espero que minha memória não falhe, enquanto eu for necessário. Quando começar a falhar, me leve para um barco e deixe o vento bater no meu rosto.

Para onde vou não sei; mas por enquanto minha planilha está ativa com a primeira célula contendo o dia que nasci. Embaixo, inseri a função AGORA. E do resultado * 2.

Conto os dias do passado para duplicar meu futuro. E assim seja, Sr. Tempo; assim seja...