Parte 2
- Tenho que te contar uma coisa.
- Que foi?
- Eu consigo levitar.
- “...”
- Não to de brincadeira, não! Chega aqui
comigo que vou te mostrar.
Levou Duda para uma sala de aula vazia
no curso de inglês. Não poderia fazer isso quando levasse a moça para casa,
pois a mãe dela estava sempre presente nos horários depois do curso.
- Segura minha mochila.
Duda apertou os lábios carnudos
impaciente com a bobagem do namorado
- Voa logo que eu to com fome e quero
fazer um lanche antes de ir para casa.
- Shhhh...
Duda ficou quieta. Ariel sentou na
cadeira, fechou os olhos e respirou fundo, exatamente como fizera em casa na
cama. Durante um minuto e em total silêncio o olhar da moça ficou paralisado.
- E aí?
Ariel abre os olhos.
- Não está funcionando.
- Legal, já deu! To indo embora... –
deixou a mochila dele sobre uma cadeira, pegou seu material e levantou.
- Perái Duda!
- Vamos, ta quase na hora do ônibus...
Ela desceu a escada com pressa. Linda e
esvoaçante com seu vestido florido. Ao final dos degraus tinha a porta da rua e
em frente a esta, o portão de entrada do curso. Olhou o sinal fechado e
atravessou a rua correndo e sem olhar para pista em direção à parada de ônibus.
Ariel veio correndo atrás com a mochila pendurada em um ombro só. Neste exato
momento, surge um automóvel, tipo uma minivan e cruza o semáforo fechado. Ariel
ainda no meio da rua para assustado e fecha os olhos esperando o pior. Naqueles
centésimos de centésimos de segundos sua mente concentrou-se, seu corpo
enrijeceu e as plantas de seus pés firmaram-se sobre o tênis e este sobre o
tecido asfáltico. Não ouviu som qualquer. Seu avô, Duda, seus colegas de
colégio, de natação, de curso de inglês, todos, enfim, lamentariam sua perda.
Coitado do Ariel de destino igual ao de seus pais. Não mais HQ’s, não mais
desenhos que ele mesmo criava, morreria virgem, que merda! Morreria virgem!
Um som ensurdecedor o desperta deste
flash em sua memória. Abre os olhos e se vê de pé com a parte da frente do
automóvel encaixada nele como se fosse um poste de concreto. Sentiu-se um
diamante, poderoso, forte... As bordas frontais do veículo pareciam querer
engoli-lo, mas em vão. Olhou em volta assustado e de rabo de olho procurou o
motorista. Do outro lado de onde existira um vidro para-brisa dois airbags se
desprendiam do painel, não o deixando ver o condutor do veículo. Ariel não
sentia qualquer dor e não percebeu nenhum arranhão. E, mais que a surpresa de
estar vivo e daquela inesperada força, tomou-lhe de assalto a raiva do
motorista por ter ultrapassado o sinal vermelho, tê-lo atingido e quase
atropelado Maria Eduarda. Saiu imediatamente da frente do carro indo até a
porta do motorista.
- Tudo bem aí companheiro? – falou com
ironia.
- O que aconteceu?
Arrancou a porta do carro num único
puxão, arrebentou o cinto de segurança do motorista do carro e o pegou pelo
colarinho esticando seu braço e o levantando do chão, com uma força que seu
corpo adolescente não sabia que ele possuía.
- Satisfeito, palhaço?! Tava com pressa,
babaca?! E se fosse uma criança?! E se fosse minha namorada que está ali na
calçada?! É por causa de criminosos como você que muita gente morre nas ruas.
Nas estradas. Seu pilotinho de merda!
Enquanto falava segurava o motorista com quase o dobro de seu tamanho
pelo colarinho deixando seus pés pendurados, e estapeando o homem apalermado a
cada frase que proferia. Ele tentava se proteger e não conseguia. A rapidez e
força com que Ariel o agredia, era inacreditável.
- Ariel!! Vamos embora daqui! – gritou
Duda.
Como que ao final de um transe, a voz da
namorada o despertou. Jogou o motorista para dentro do carro de volta,
estourando os airbags que permaneciam inflados e saiu correndo com Duda que não
conseguia acreditar naquilo que acabara de ver.
* * *
Subiram em um ônibus quase vazio em uma
parada antes da que ficava mais próxima do curso de inglês. O trânsito tinha
ficado um caos. Quietos, sentaram juntos e quando o veículo passou pelo local
do incidente, observaram pela janela a confusão. O carro parecia ter sido
cortado ao meio na parte da frente. O motorista estava em pé com o rosto
inchado pela quantidade de tapas que levara de Ariel. Seu nariz sangrava
levemente. O adolescente olhou raivosamente para ele pela janela do ônibus. O
motorista viu Ariel dentro do coletivo e um arrepio de pavor percorreu-lhe
desde o ânus absolutamente trancado até o pescoço dolorido pelas pancadas.
Abaixou os olhos e deixou o veículo passar sem olhar de novo de volta.
- Ariel. – sussurrou Duda
-“...”
- Ariel.
- Oi.
- O que foi aquilo Ariel? – perguntou
baixinho como se as pessoas pudessem saber sobre o que estariam falando.
- Sei lá Duda. Fechei os olhos e esperei
a pancada. O filho da puta atravessou o sinal vermelho. Dois segundos antes
teria te matado. Fiquei com raiva – respondeu sussurrando.
- Cara, não to falando disso! Você
partiu o carro ao meio!! Bater no cara foi o de menos!
- Não sei. Juro que não sei. Tem alguma
coisa acontecendo comigo. Te falei sobre flutuar e você não acreditou... –
olhou para seu jeans e a calça estava suja de graxa e fuligem que se
desprenderam do carro. O tecido estava rasgado à altura da coxa. Duda enfiou a
mão por este buraco e tocou em sua perna.
- Ta doendo?
- Não.
- Nada?
- Nada. – teve uma breve ereção.
- Vou com você para casa.
- Não precisa.
- Claro que precisa. Quero ver se você
está bem mesmo e quero entender essa história. Peraí. – pegou o telefone na
mochila e ligou para mãe avisando que iria ao cinema no shopping com uma amiga
do curso e chegaria mais tarde.
* * *
Duda achara o máximo Ariel tê-la
defendido com o irresponsável da minivan. “Cara, o MEU namorado era um herói!”
Ficara impressionada com a sua força e com medo de sua reação ao bater no
motorista. Achou que ia matá-lo, tamanho o ódio que vira em seus olhos
transtornados. Nunca vira ele assim. Normalmente pacato, brincalhão, de boa
paz, enfim. Queria saber mais sobre o menino. Sabia que morava com seu avô e
que seus pais tinham morrido em um acidente que se negara a contá-la. Nesses
meses três em que estavam juntos, era a primeira vez que iria a sua casa. Sabia
onde era. Não era tão longe da sua; mas sempre marcavam de se encontrar num
shopping, no curso, na escola. Sem saber tinham muitos amigos comuns e daí em
diante passaram a ser a referência para encontros nos lugares que
frequentavam.
Nestes poucos meses, Ariel sempre a chamara para ir até lá conhecer seu
avô. Ela sempre arranjava um jeito de desconversar; sua mãe não gostou muito
dessa história de visita “em casa de namoradinho”. Preferia-o lá, em sua casa,
e sua presença era obrigatória.
Desceram do ônibus e caminharam pela transversal onde o ele morava. Era
uma rua tranquila, arborizada e quase sem tráfego. De longe, Ariel reparou que
estava saindo de sua casa um homem alto e magro com capacete de motoqueiro.
Caminhara de forma apressada subindo na moto e disparando na direção contrária
de onde vinham. Achou esquisito e guardou a placa.
- Viu aquela moto que partiu ali na frente? A pessoa saiu lá de casa.
- Conhece?
- Nunca vi. E meu vô disse que não estaria em casa hoje à tarde.
Estranho.
-“Meu vô”?! Que bonitinho...
- “...”
- Ué, você chama ele que nem criança...
- “...”
- Para de bico.
- “...”
- Ah, vamos entrar, vamos.
* * *
- Vamos anjo, vamos. Não quero chegar à
noite. – gritou de dentro do carro.
Sarah atravessou o calçamento mal
acabado da rua com uma garrafa de conhaque nas mãos. Vestia um short jeans
desfiado apertando-lhe as coxas e fazia pular de dentro do tecido azul para o
mundo a única coisa que parecia chamar a atenção positivamente naquele corpo.
Vestia ainda uma camiseta de malha com um nó que denunciava sua barriga
pronunciada em contraponto com a sua total ausência de nádegas. Calçava um
tênis de lona. Seu cabelo pintado de vermelho, muito rímel e sombra excessiva
completavam sua aparência decadente. Devia ter uns 35 anos. Parecia 55. Uma
puta velha.
A birosca perto da praia no interior era um local de encontros para quem
procurava bebida barata, sexo e confusão. Tomás estava largando aquela vida.
Estava ficando velho para a bandidagem. Muito dinheiro tinha conseguido com seu
último carregamento de cocaína e maconha. Chegara num pequeno barco na
madrugada. Sua experiência anterior tinha sido desastrosa. Seus comparsas
morreram, ele havia perdido metade da carga e ganhara uma bala nas costas que
se alojara perto do coração e que não poderia ser removida. Concorrência feroz.
Permanecia com o projétil como uma lembrança de que vida de bandido é curta. A
droga estava se espalhando rapidamente pela cidade e agora negociava
diretamente com bandidos nas favelas. Tinha acabado de trazer a droga para um
traficante chamado Rogerinho que começava a se destacar no tráfico. Três homens
do seu bando o encontraram e confirmaram o negócio. Muito dinheiro. Havia feito certo: eliminado literalmente o
intermediário. Os donos do morro, corpos de vida ainda mais curta que a sua,
viviam aprisionados naquele espaço de onde jamais desfrutariam de todo o
dinheiro que ganhavam. Assim era naquela época. Ele acabara de receber o seu
bônus na vida. A forração do banco do carro estava cheia de dinheiro.
Aposentadoria.
Tomás tinha um casal de filhos. Uma menina que a mãe não o deixava
chegar perto depois da cadeia – casara-se com um policial - e um filho perdido
no mundo. Havia saído de casa um ano antes, tornando-o um “pai órfão”.
O garoto, este sim, órfão de mãe, criado pela mãe de Tomás, enquanto
este “puxava uma cana” ou embrenhava-se com afinco em seu ofício de fornecer
drogas para a cidade. Quando o rapaz, aos 17, foi embora restou em seu guarda
roupa um punhado de maconha esquecida no canto da gaveta, uma caixa de discos
de vinil e um do Steppenwolf sobre a cama e uma bola de futebol embaixo dela.
Tentou achá-lo nos lugares que sabia aonde o garoto ia e teve notícia de que
outros dois guris de idade próxima a dele também tinham fugido. Sua mãe, avó do
garoto, triste morreria pouco tempo depois. Tomás não o perdoara. Agora estavam
ambos por conta própria. Ele fazia sua última operação e iria para bem longe
dali. Abriria uma pousada, um bar, talvez, bem perto da praia.
Sua última vez como bandido. Sim. Estava aproveitando. Aquela dinheirama
no banco traseiro do Maverick V8 que acabara de comprar era seu passaporte para
uma vida nova. A quantidade absurda de droga que negociara naquela madrugada
duraria o verão inteiro sendo comprada e consumida nas bocas das favelas.
Correria pelos edifícios de quitinetes à duplex entorpecendo cidade. Ele às
detestava. Cheirou e nunca sentiu qualquer alteração. Esta droga não o atraía.
Tossiu muita fumaça de maconha e não suportava seu cheiro. Mas beber...? Ah,
bebia muito. Essa droga era legal. Jamais seria preso por causa dela. Arrumar
uma ou outra confusão talvez, mas se mantinha distante delas. A cadeia lhe dera
a esquiva necessária para fugir deste golpe.
Quando chegou à birosca pouco depois do almoço, estava faminto.
Tinha passado a noite acordado. Desembarcara a droga. Pegara o dinheiro
que lhe cabia e saiu depressa da praia onde fizera o negócio. “Voou” no seu V8
recém reformado até a cidade mais próxima. Amanhecia. Conseguiu pousada em uma
pensão acanhada perto de uma igrejinha. Escondeu o carro nos fundos do
estabelecimento. Levou o dinheiro para o quarto. Quando acordasse colocaria as
notas escondidas na forração. Despertou ao meio-dia suando muito e assustado.
Olhou para o teto tentando lembrar onde estava. Sim, tinha que sair depressa
dali. Pagou a conta e foi esconder a pequena fortuna no veículo.
Na birosca pediu qualquer coisa para comer e uma cerveja. Trouxeram-lhe
pernil de prateleira e pão amanhecido. Ao menos a cerveja era gelada.
- Oi bonitão.
- Oi.
- Mas que olhos grandes você tem...
- Tem outra coisa grande aqui também, “chapeuzinho”...
“Mulher mala”, pensou. “Mas que coxas!”
- Me paga uma cerveja? – Sarah vivia disso, puxa uma cerveja para puxar
um novo cliente. Era simpática. Fazia parte do ofício.
Pagou uma, duas, três. Pagou caipirinha e se lá tivesse, pagaria até
uísque escocês. Quatro horas na mesa e ambos bêbados. Trocas de mãos por baixo
da mesa coxas e membros acariciados e o cio aumentando. Entardecia. Combinaram
um motel distante uns seis quilômetros na rodovia.
- Vou pagar a conta. Vem comigo?
- Preciso ir ao banheiro.
Pagou a conta e foi para o carro. Esperou por três minutos. Sua
despedida. Piranha velha... raposa matreira... Depois comemorava com alguém
melhor. Essa era a saideira. Vida bandida, não mais. Adeus Alcatraz, adeus.
- Vamos “anjo” – muita bebida - vamos. Não quero chegar à noite. –
gritou de dentro do carro. Ia dando a partida quando ela gritou:
- Espera criança. Eu sei que você está com pressa... – Entrou no carro.
Seguiram pela estrada ensolarada.
* * *
Fazia tempo
que não vira seu pai. A casa não mudara muito. Exceto o seu quarto que parecia
o de outra pessoa. Nunca tivera aquela coleção de miniaturas de automóveis ou
aquele monte de revistas e livros. Detestava leitura desde sempre. Quem estaria
ali? Quem viera tomar seu lugar?
Não havia ninguém na casa. Foi a um
cômodo. Virara um pequeno escritório. Notas fiscais sobre a mesa. Viu um
endereço não muito distante dali. Um restaurante. Saiu da casa com o capacete
na cabeça para saber um pouco mais.
* * *
- Seu avô não está em casa.
- To vendo. Mas então o que aquele cara
veio fazer aqui? Ele tava aqui dentro!
Ariel começou a piscar repetidas vezes e
finalmente fechou os olhos. Conseguia visualizar os passos do homem dentro da
casa. Seria mais um superpoder? Talvez sim; achou ótimo. Pensou que poderia
fazer qualquer coisa a partir de então. Imediatamente pensou no Tio Ben:
“Grandes poderes trazem grandes responsabilidades”. Sentiu-se Peter Parker.
Será que ele poderia fazer uma teia? Mas para que uma teia se podia voar. Riu.
- O que foi Ariel?
- Nada. Espera um pouco. - Pisou
exatamente onde o visitante desconhecido tinha pisado. Era como se as imagens
que o intruso viu fossem vistas agora por ele. Estranho; parecia conhecê-lo
vagamente. Alguém muito próximo. Seu cheiro impregnado no ar. Outro poder?
Ariel continuava de olhos fechados. O homem desconhecido parecia saber
exatamente o que estava procurando. Entrou pela porta da frente, foi direto ao
seu quarto. Voltou pelo corredor e entrou no escritório. Olhou para os papéis
na mesa, pegou uma nota fiscal onde aparecia o endereço do restaurante do seu
avô. Parou no espelho brevemente e saiu rápido da casa. Não podia ver seu
rosto, um capacete protegia sua cabeça.
- Duda, acho que é alguém que trabalha
com meu avô ele veio aqui e pegou uma nota fiscal e foi embora. Meu avô deve
ter pedido para ele pegar. Talvez tenha emprestado a chave e tudo.
- Como você sabe?
- Eu pude ver tudo o que ele fez.
- Como Ariel?
- Sei lá! Estou descobrindo essas coisas
conforme elas estão acontecendo. Mas não vou te enganar, não. Eu bem que
to gostando.
- Quer dizer que aquela história de
levitar é verdade?
- Sim. Acho que agora consigo. Eu estava
ansioso. Agora estou relaxado. Quer ver?
Duda assentiu com a cabeça e um sorriso
no rosto.
Ariel fechou os olhos e abriu os braços.
Vagarosamente subiu à altura do teto. Quando encostou a cabeça parou.
- Ai! Doeu! - esfregou o cocuruto ainda
no ar com um sorriso sem graça.
Duda olhava extasiada. Nunca vira nada
igual. Ariel percebeu a admiração da namorada. Era sua oportunidade de
impressioná-la. Desceu devagar olhando nos olhos dela. Parou na sua frente sem
colocar os pés no chão, beijou-a e abraçou-a com carinho. Suas mãos bobas esfregavam
suas costas e sua bunda. Firmou seu abraço e subiu mais uma vez tirando a
menina do chão enquanto a enlaçava. Ela abriu os olhos assustada, mas continuou
beijando. Piscou uma, duas vezes, fechou os olhos e aproveitou seu beijo. Ariel
por sua vez não conseguia conter seu “entusiasmo”. Desceu com a namorada.
- Foi bom?
- Ótimo. Sabe de uma coisa?
- Sei.
- Como assim?! Agora vai dizer que lê
pensamento...?
- Acabei de descobri que sim.
Duda olhou bem nos olhos de Ariel e
soltou as alças de seu vestido florido, mostrando a fartura de seus seios e a
calcinha branca que guardava fragilmente a penugem rala de seu sexo.
Drunna.
Lá fora anoitecia.
Continua...
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