terça-feira, 24 de dezembro de 2013

SUPERPODERES - PARTE 2




Parte 2

        - Tenho que te contar uma coisa.
        - Que foi?
        - Eu consigo levitar.
        - “...”
        - Não to de brincadeira, não! Chega aqui comigo que vou te mostrar.
        Levou Duda para uma sala de aula vazia no curso de inglês. Não poderia fazer isso quando levasse a moça para casa, pois a mãe dela estava sempre presente nos horários depois do curso.
        - Segura minha mochila.
        Duda apertou os lábios carnudos impaciente com a bobagem do namorado
        - Voa logo que eu to com fome e quero fazer um lanche antes de ir para casa.
        - Shhhh...
        Duda ficou quieta. Ariel sentou na cadeira, fechou os olhos e respirou fundo, exatamente como fizera em casa na cama. Durante um minuto e em total silêncio o olhar da moça ficou paralisado.
        - E aí?
        Ariel abre os olhos.
        - Não está funcionando.
        - Legal, já deu! To indo embora... – deixou a mochila dele sobre uma cadeira, pegou seu material e levantou.
        - Perái Duda!
        - Vamos, ta quase na hora do ônibus...
        Ela desceu a escada com pressa. Linda e esvoaçante com seu vestido florido. Ao final dos degraus tinha a porta da rua e em frente a esta, o portão de entrada do curso. Olhou o sinal fechado e atravessou a rua correndo e sem olhar para pista em direção à parada de ônibus. Ariel veio correndo atrás com a mochila pendurada em um ombro só. Neste exato momento, surge um automóvel, tipo uma minivan e cruza o semáforo fechado. Ariel ainda no meio da rua para assustado e fecha os olhos esperando o pior. Naqueles centésimos de centésimos de segundos sua mente concentrou-se, seu corpo enrijeceu e as plantas de seus pés firmaram-se sobre o tênis e este sobre o tecido asfáltico. Não ouviu som qualquer. Seu avô, Duda, seus colegas de colégio, de natação, de curso de inglês, todos, enfim, lamentariam sua perda. Coitado do Ariel de destino igual ao de seus pais. Não mais HQ’s, não mais desenhos que ele mesmo criava, morreria virgem, que merda! Morreria virgem!
        Um som ensurdecedor o desperta deste flash em sua memória. Abre os olhos e se vê de pé com a parte da frente do automóvel encaixada nele como se fosse um poste de concreto. Sentiu-se um diamante, poderoso, forte... As bordas frontais do veículo pareciam querer engoli-lo, mas em vão. Olhou em volta assustado e de rabo de olho procurou o motorista. Do outro lado de onde existira um vidro para-brisa dois airbags se desprendiam do painel, não o deixando ver o condutor do veículo. Ariel não sentia qualquer dor e não percebeu nenhum arranhão. E, mais que a surpresa de estar vivo e daquela inesperada força, tomou-lhe de assalto a raiva do motorista por ter ultrapassado o sinal vermelho, tê-lo atingido e quase atropelado Maria Eduarda. Saiu imediatamente da frente do carro indo até a porta do motorista.
        - Tudo bem aí companheiro? – falou com ironia.
        - O que aconteceu?
        Arrancou a porta do carro num único puxão, arrebentou o cinto de segurança do motorista do carro e o pegou pelo colarinho esticando seu braço e o levantando do chão, com uma força que seu corpo adolescente não sabia que ele possuía.
        - Satisfeito, palhaço?! Tava com pressa, babaca?! E se fosse uma criança?! E se fosse minha namorada que está ali na calçada?! É por causa de criminosos como você que muita gente morre nas ruas. Nas estradas. Seu pilotinho de merda!
Enquanto falava segurava o motorista com quase o dobro de seu tamanho pelo colarinho deixando seus pés pendurados, e estapeando o homem apalermado a cada frase que proferia. Ele tentava se proteger e não conseguia. A rapidez e força com que Ariel o agredia, era inacreditável.
        - Ariel!! Vamos embora daqui! – gritou Duda.
        Como que ao final de um transe, a voz da namorada o despertou. Jogou o motorista para dentro do carro de volta, estourando os airbags que permaneciam inflados e saiu correndo com Duda que não conseguia acreditar naquilo que acabara de ver.

*      *      *
         
        Subiram em um ônibus quase vazio em uma parada antes da que ficava mais próxima do curso de inglês. O trânsito tinha ficado um caos. Quietos, sentaram juntos e quando o veículo passou pelo local do incidente, observaram pela janela a confusão. O carro parecia ter sido cortado ao meio na parte da frente. O motorista estava em pé com o rosto inchado pela quantidade de tapas que levara de Ariel. Seu nariz sangrava levemente. O adolescente olhou raivosamente para ele pela janela do ônibus. O motorista viu Ariel dentro do coletivo e um arrepio de pavor percorreu-lhe desde o ânus absolutamente trancado até o pescoço dolorido pelas pancadas. Abaixou os olhos e deixou o veículo passar sem olhar de novo de volta.
        - Ariel. – sussurrou Duda
        -“...”
        - Ariel.
        - Oi.
        - O que foi aquilo Ariel? – perguntou baixinho como se as pessoas pudessem saber sobre o que estariam falando.
        - Sei lá Duda. Fechei os olhos e esperei a pancada. O filho da puta atravessou o sinal vermelho. Dois segundos antes teria te matado. Fiquei com raiva – respondeu sussurrando.
        - Cara, não to falando disso! Você partiu o carro ao meio!! Bater no cara foi o de menos!
        - Não sei. Juro que não sei. Tem alguma coisa acontecendo comigo. Te falei sobre flutuar e você não acreditou... – olhou para seu jeans e a calça estava suja de graxa e fuligem que se desprenderam do carro. O tecido estava rasgado à altura da coxa. Duda enfiou a mão por este buraco e tocou em sua perna.
        - Ta doendo?
        - Não.
        - Nada?
        - Nada. – teve uma breve ereção.
        - Vou com você para casa.
        - Não precisa.
        - Claro que precisa. Quero ver se você está bem mesmo e quero entender essa história. Peraí. – pegou o telefone na mochila e ligou para mãe avisando que iria ao cinema no shopping com uma amiga do curso e chegaria mais tarde.

*      *      *

        Duda achara o máximo Ariel tê-la defendido com o irresponsável da minivan. “Cara, o MEU namorado era um herói!” Ficara impressionada com a sua força e com medo de sua reação ao bater no motorista. Achou que ia matá-lo, tamanho o ódio que vira em seus olhos transtornados. Nunca vira ele assim. Normalmente pacato, brincalhão, de boa paz, enfim. Queria saber mais sobre o menino. Sabia que morava com seu avô e que seus pais tinham morrido em um acidente que se negara a contá-la. Nesses meses três em que estavam juntos, era a primeira vez que iria a sua casa. Sabia onde era. Não era tão longe da sua; mas sempre marcavam de se encontrar num shopping, no curso, na escola. Sem saber tinham muitos amigos comuns e daí em diante passaram a ser a referência para encontros nos lugares que frequentavam. 
Nestes poucos meses, Ariel sempre a chamara para ir até lá conhecer seu avô. Ela sempre arranjava um jeito de desconversar; sua mãe não gostou muito dessa história de visita “em casa de namoradinho”. Preferia-o lá, em sua casa, e sua presença era obrigatória.
Desceram do ônibus e caminharam pela transversal onde o ele morava. Era uma rua tranquila, arborizada e quase sem tráfego. De longe, Ariel reparou que estava saindo de sua casa um homem alto e magro com capacete de motoqueiro. Caminhara de forma apressada subindo na moto e disparando na direção contrária de onde vinham. Achou esquisito e guardou a placa.
- Viu aquela moto que partiu ali na frente? A pessoa saiu lá de casa.
- Conhece?
- Nunca vi. E meu vô disse que não estaria em casa hoje à tarde. Estranho.
-“Meu vô”?! Que bonitinho...
- “...”
- Ué, você chama ele que nem criança...
- “...”
- Para de bico.
- “...”
- Ah, vamos entrar, vamos.

*      *      *

        - Vamos anjo, vamos. Não quero chegar à noite. – gritou de dentro do carro.
        Sarah atravessou o calçamento mal acabado da rua com uma garrafa de conhaque nas mãos. Vestia um short jeans desfiado apertando-lhe as coxas e fazia pular de dentro do tecido azul para o mundo a única coisa que parecia chamar a atenção positivamente naquele corpo. Vestia ainda uma camiseta de malha com um nó que denunciava sua barriga pronunciada em contraponto com a sua total ausência de nádegas. Calçava um tênis de lona. Seu cabelo pintado de vermelho, muito rímel e sombra excessiva completavam sua aparência decadente. Devia ter uns 35 anos. Parecia 55. Uma puta velha.
A birosca perto da praia no interior era um local de encontros para quem procurava bebida barata, sexo e confusão. Tomás estava largando aquela vida. Estava ficando velho para a bandidagem. Muito dinheiro tinha conseguido com seu último carregamento de cocaína e maconha. Chegara num pequeno barco na madrugada. Sua experiência anterior tinha sido desastrosa. Seus comparsas morreram, ele havia perdido metade da carga e ganhara uma bala nas costas que se alojara perto do coração e que não poderia ser removida. Concorrência feroz. Permanecia com o projétil como uma lembrança de que vida de bandido é curta. A droga estava se espalhando rapidamente pela cidade e agora negociava diretamente com bandidos nas favelas. Tinha acabado de trazer a droga para um traficante chamado Rogerinho que começava a se destacar no tráfico. Três homens do seu bando o encontraram e confirmaram o negócio. Muito dinheiro.  Havia feito certo: eliminado literalmente o intermediário. Os donos do morro, corpos de vida ainda mais curta que a sua, viviam aprisionados naquele espaço de onde jamais desfrutariam de todo o dinheiro que ganhavam. Assim era naquela época. Ele acabara de receber o seu bônus na vida. A forração do banco do carro estava cheia de dinheiro. Aposentadoria.
Tomás tinha um casal de filhos. Uma menina que a mãe não o deixava chegar perto depois da cadeia – casara-se com um policial - e um filho perdido no mundo. Havia saído de casa um ano antes, tornando-o um “pai órfão”.
O garoto, este sim, órfão de mãe, criado pela mãe de Tomás, enquanto este “puxava uma cana” ou embrenhava-se com afinco em seu ofício de fornecer drogas para a cidade. Quando o rapaz, aos 17, foi embora restou em seu guarda roupa um punhado de maconha esquecida no canto da gaveta, uma caixa de discos de vinil e um do Steppenwolf sobre a cama e uma bola de futebol embaixo dela. Tentou achá-lo nos lugares que sabia aonde o garoto ia e teve notícia de que outros dois guris de idade próxima a dele também tinham fugido. Sua mãe, avó do garoto, triste morreria pouco tempo depois. Tomás não o perdoara. Agora estavam ambos por conta própria. Ele fazia sua última operação e iria para bem longe dali. Abriria uma pousada, um bar, talvez, bem perto da praia.
Sua última vez como bandido. Sim. Estava aproveitando. Aquela dinheirama no banco traseiro do Maverick V8 que acabara de comprar era seu passaporte para uma vida nova. A quantidade absurda de droga que negociara naquela madrugada duraria o verão inteiro sendo comprada e consumida nas bocas das favelas. Correria pelos edifícios de quitinetes à duplex entorpecendo cidade. Ele às detestava. Cheirou e nunca sentiu qualquer alteração. Esta droga não o atraía. Tossiu muita fumaça de maconha e não suportava seu cheiro. Mas beber...? Ah, bebia muito. Essa droga era legal. Jamais seria preso por causa dela. Arrumar uma ou outra confusão talvez, mas se mantinha distante delas. A cadeia lhe dera a esquiva necessária para fugir deste golpe.
Quando chegou à birosca pouco depois do almoço, estava faminto.
Tinha passado a noite acordado. Desembarcara a droga. Pegara o dinheiro que lhe cabia e saiu depressa da praia onde fizera o negócio. “Voou” no seu V8 recém reformado até a cidade mais próxima. Amanhecia. Conseguiu pousada em uma pensão acanhada perto de uma igrejinha. Escondeu o carro nos fundos do estabelecimento. Levou o dinheiro para o quarto. Quando acordasse colocaria as notas escondidas na forração. Despertou ao meio-dia suando muito e assustado. Olhou para o teto tentando lembrar onde estava. Sim, tinha que sair depressa dali. Pagou a conta e foi esconder a pequena fortuna no veículo.
Na birosca pediu qualquer coisa para comer e uma cerveja. Trouxeram-lhe pernil de prateleira e pão amanhecido. Ao menos a cerveja era gelada.
- Oi bonitão.
- Oi.
- Mas que olhos grandes você tem...
- Tem outra coisa grande aqui também, “chapeuzinho”...
“Mulher mala”, pensou. “Mas que coxas!”
- Me paga uma cerveja? – Sarah vivia disso, puxa uma cerveja para puxar um novo cliente. Era simpática. Fazia parte do ofício.
Pagou uma, duas, três. Pagou caipirinha e se lá tivesse, pagaria até uísque escocês. Quatro horas na mesa e ambos bêbados. Trocas de mãos por baixo da mesa coxas e membros acariciados e o cio aumentando. Entardecia. Combinaram um motel distante uns seis quilômetros na rodovia.
- Vou pagar a conta. Vem comigo?
- Preciso ir ao banheiro.
Pagou a conta e foi para o carro. Esperou por três minutos. Sua despedida. Piranha velha... raposa matreira... Depois comemorava com alguém melhor. Essa era a saideira. Vida bandida, não mais. Adeus Alcatraz, adeus.
- Vamos “anjo” – muita bebida - vamos. Não quero chegar à noite. – gritou de dentro do carro. Ia dando a partida quando ela gritou:
- Espera criança. Eu sei que você está com pressa... – Entrou no carro.
Seguiram pela estrada ensolarada.

*      *      *

         Fazia tempo que não vira seu pai. A casa não mudara muito. Exceto o seu quarto que parecia o de outra pessoa. Nunca tivera aquela coleção de miniaturas de automóveis ou aquele monte de revistas e livros. Detestava leitura desde sempre. Quem estaria ali? Quem viera tomar seu lugar?
        Não havia ninguém na casa. Foi a um cômodo. Virara um pequeno escritório. Notas fiscais sobre a mesa. Viu um endereço não muito distante dali. Um restaurante. Saiu da casa com o capacete na cabeça para saber um pouco mais.
       
*      *      *

        - Seu avô não está em casa.
        - To vendo. Mas então o que aquele cara veio fazer aqui? Ele tava aqui dentro!
        Ariel começou a piscar repetidas vezes e finalmente fechou os olhos. Conseguia visualizar os passos do homem dentro da casa. Seria mais um superpoder? Talvez sim; achou ótimo. Pensou que poderia fazer qualquer coisa a partir de então. Imediatamente pensou no Tio Ben: “Grandes poderes trazem grandes responsabilidades”. Sentiu-se Peter Parker. Será que ele poderia fazer uma teia? Mas para que uma teia se podia voar. Riu.
        - O que foi Ariel?
        - Nada. Espera um pouco. - Pisou exatamente onde o visitante desconhecido tinha pisado. Era como se as imagens que o intruso viu fossem vistas agora por ele. Estranho; parecia conhecê-lo vagamente. Alguém muito próximo. Seu cheiro impregnado no ar. Outro poder? Ariel continuava de olhos fechados. O homem desconhecido parecia saber exatamente o que estava procurando. Entrou pela porta da frente, foi direto ao seu quarto. Voltou pelo corredor e entrou no escritório. Olhou para os papéis na mesa, pegou uma nota fiscal onde aparecia o endereço do restaurante do seu avô. Parou no espelho brevemente e saiu rápido da casa. Não podia ver seu rosto, um capacete protegia sua cabeça.
        - Duda, acho que é alguém que trabalha com meu avô ele veio aqui e pegou uma nota fiscal e foi embora. Meu avô deve ter pedido para ele pegar. Talvez tenha emprestado a chave e tudo.
        - Como você sabe?
        - Eu pude ver tudo o que ele fez.
        - Como Ariel?
        - Sei lá! Estou descobrindo essas coisas conforme elas estão acontecendo. Mas não vou te enganar, não. Eu bem que to  gostando.
        - Quer dizer que aquela história de levitar é verdade?
        - Sim. Acho que agora consigo. Eu estava ansioso. Agora estou relaxado. Quer ver?
        Duda assentiu com a cabeça e um sorriso no rosto.
        Ariel fechou os olhos e abriu os braços. Vagarosamente subiu à altura do teto. Quando encostou a cabeça parou.
        - Ai! Doeu! - esfregou o cocuruto ainda no ar com um sorriso sem graça.
        Duda olhava extasiada. Nunca vira nada igual. Ariel percebeu a admiração da namorada. Era sua oportunidade de impressioná-la. Desceu devagar olhando nos olhos dela. Parou na sua frente sem colocar os pés no chão, beijou-a e abraçou-a com carinho. Suas mãos bobas esfregavam suas costas e sua bunda. Firmou seu abraço e subiu mais uma vez tirando a menina do chão enquanto a enlaçava. Ela abriu os olhos assustada, mas continuou beijando. Piscou uma, duas vezes, fechou os olhos e aproveitou seu beijo. Ariel por sua vez não conseguia conter seu “entusiasmo”. Desceu com a namorada.
        - Foi bom?
        - Ótimo. Sabe de uma coisa?
        - Sei.
        - Como assim?! Agora vai dizer que lê pensamento...?
        - Acabei de descobri que sim.
        Duda olhou bem nos olhos de Ariel e soltou as alças de seu vestido florido, mostrando a fartura de seus seios e a calcinha branca que guardava fragilmente a penugem rala de seu sexo.
Drunna.
Lá fora anoitecia.


Continua...

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